Cuidados na entrega e classificação dos grãos

Nesta semana, convidei o colega Danilo Amâncio Cavalcanti para junto comigo escrever sobre os cuidados na entrega e classificação dos grãos. Portanto, a coluna desta semana foi escrita a quatro mãos. Danilo advogado agrarista do DAC Advocacia, localizado em Palmas (TO), e procurador do Banco da Amazônia desde 2013. Autor do Livro Modelos de Planejamento para a Empresa Rural Familiar e sua aplicabilidade, pela Editora Dialética. Mestre em Agronegócio pela Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas, FGV/SP. Pós-Graduado em Direito Agrário e Direito Ambiental pelo IBMEC/RJ. Presidente da Comissão de Direito Agrário e do Agronegócio da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Tocantins (Triênio 2019/2021)

Leia a íntegra do texto abaixo:

Danilo Amâncio Cavalcanti

A atividade rural possui inúmeros riscos e desafios, em especial, para os agricultores localizados em regiões com variações climáticas mais severas, como determinadas regiões de Goiás, Mato Grosso e Tocantins. Na safra 2020/2021, esse cenário ficou ainda mais evidente: a seca atrasou o plantio da soja, o excesso de chuvas castigou as lavouras e impediu que os produtores pudessem realizar a colheita nas condições adequadas de umidade. O resultado foi apreensão no campo, principalmente quanto à qualidade do grão.

Aos produtores que não possuem a própria estrutura de armazenagem e necessitam depositar os grãos em armazéns, o cenário é ainda pior. Além das inúmeras perdas durante o serviço de armazenagem, também é possível observar descontos altíssimos efetuados quando a classificação dos grãos é realizada pelas próprias tradings, que recebem o grão e estabelecem níveis mínimos de qualidade e umidade.

Não é novidade que vários agricultores financiam parte, senão toda a sua produção, comercializando de forma antecipada o grão para empresas comerciais que atuam como intermediárias entre produtores e empresas compradoras, em operações de exportação ou de importação, as chamadas tradings.

Quando o produtor não possui estrutura de armazenagem própria, as condições para o recebimento do grão são fixadas previamente pelo armazém graneleiro ou pelo contrato celebrado com a trading. Neste instrumento são estabelecidos critérios como as porcentagens máximas de umidade, de impurezas, de grãos avariados, de grãos mofados, de grãos ardidos, de grãos queimados, de grãos esverdeados, etc.

Não são raros os casos em que o produtor entende ter um grão de uma qualidade determinada e é surpreendido por uma classificação da trading ou do armazém totalmente diversa, de forma a precificar o seu produto em um valor bem inferior, devido a impurezas e/ou elevado grau de umidade, resultando em prejuízos de enorme monta ao produtor rural, em especial, após ser tão sacrificado pelo clima durante a colheita.

Importante registrar que o estabelecimento de condições mínimas para a qualidade do produto é essencial para a cadeia do agronegócio. No entanto, percebe-se que a maior parte do prejuízo é absorvida apenas pelos produtores rurais, já que as tradings utilizam dos grãos rejeitados na classificação, que são misturados e padronizados posteriormente para chegar a um produto intermediário, dentro dos índices tolerados para comercialização pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).

Alguns cuidados devem ser tomados pelo produtor para mitigar ainda mais esses prejuízos: estar atento à obtenção das amostras durante a classificação, de forma a evitar que sejam retiradas sempre nos mesmos pontos; exigir a contraprova e que a mesma seja colocada em embalagem adequada e lacrada; atentar às técnicas utilizadas para determinação do teor de impurezas e do teor de umidade, que deve ser realizada em equipamento devidamente aferido.

Caso o produtor rural não concorde com a classificação do grão efetuada pelo armazém ou pela trading, poderá socorrer-se junto ao artigo 12 do Decreto nº 6.268/2007, que traz um procedimento de arbitragem, que consiste em uma nova classificação do produto já classificado. O processo deverá ser realizado por classificador oficial, credenciado pelo MAPA. Nesses casos, o classificador irá realizar novo procedimento de coleta e análise dos grãos conforme metodologia estabelecida pelo próprio Ministério.

Importante destacar que os depositantes têm o direito de acesso ao local de depósito para verificar as condições de guarda e conservação dos produtos entregues, bem como para examinar a documentação a eles pertinentes. O depositário é obrigado a permitir, a qualquer tempo, o livre acesso dos técnicos do Ministério da Agricultura ou de seus conveniados, devidamente identificados e quando no exercício de suas atividades, a todas as instalações da unidade armazenadora, assim como o exame da documentação pertinente. O armazém também é obrigado a dispor dos documentos comprobatórios de registro ou de certificação para a prestação de serviços de armazenagem, regularizados e atualizados.

Para prevenir ou mesmo mitigar os problemas decorrentes das divergências na etapa de classificação, o produtor rural pode tomar cautelas antes de entregar o produto, como a produção antecipada de provas, através de elaboração de laudo elaborado por profissional classificador oficial credenciado, que ateste a qualidade do grão dentro da porteira. O principal objetivo é prevenir eventuais discrepâncias com a classificação realizada no armazém ou pela trading, confrontando as análises realizadas por estas empresas e com as contratadas pelo produtor rural.

Há ainda, em casos extremos, quando há suspeita de irregularidade quanto ao funcionamento dos equipamentos utilizado pelo armazém, a possibilidade de se exigir a documentação completa de regularidade técnica dos equipamentos e ferramentas utilizados, bem como uma perícia de todos os equipamentos utilizados para classificação e certificação de todos os classificadores.

O produtor rural não pode e nem deve aceitar descontos abusivos decorrentes da classificação realizada pelos armazéns e tradings, devendo se organizar desde o início da colheita para se documentar da melhor forma possível quanto à qualidade do grão que está levando para o armazenamento ou comercialização. Em muitos casos, a divergência entre produtor, armazém e trading, não encontrará uma solução amigável, e, fatalmente, as partes irão bater às portas do Poder Judiciário para buscar uma solução para o conflito. Nestes casos, a prova previamente produzida pelo produtor rural poderá ser de fundamental importância para satisfação do seu direito e entrega do seu produto a um preço que reflita fielmente a qualidade do grão colhido e entregue.

REFERÊNCIAS:

DECRETO Nº 6.268, DE 22 DE NOVEMBRO DE 2007.

LEI No 9.973, DE 29 DE MAIO DE 2000.

Projeto Classificação de Grãos – Cartilha de Procedimentos de Classificação e Descontos na Comercialização de Grãos de Soja – http://www.aprosoja.com.br/storage/comissoes/arquivos/classificacao-de-craos.pdf