Quem deve assumir o ônus remuneratório da gestante afastada durante a pandemia da Covid?

A colega Priscila Salamoni de Freitas, sócia do GMPR Advogados, explica, na coluna de hoje (10), quem deve assumir o ônus remuneratório da gestante afastada durante a pandemia da Covid. Ela é advogada especialista em Direito do Trabalho. É formada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Pós-Graduada em Direito e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário de Goiás Uni-Anhanguera.

Leia a íntegra do texto:

Priscila Salamoni de Freitas

Desde o início da pandemia causada pela Covid-19 há grande preocupação quanto às empregadas grávidas, se estas seriam consideradas do grupo de risco e, portanto, se deveriam ou não serem afastadas do trabalho.

Mas foi somente em 12 de maio de 2021, com a edição da Lei 14.151, que tal tema foi de fato regulamentado.

A referida lei, em seu artigo 1º, determinou que “durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração. ”

A lei ainda autorizou que a empregada que for afastada, ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.

Esta lei, contudo, nada dispõe acerca dos casos em que a função exercida pela empregada, considerando as características da contratação e as condições pessoais específicas, seja incompatível com o trabalho não presencial.

Em razão de tal regramento, empregadas que se encontram em período gestacional tiveram que ser imediatamente afastadas de suas atividades laborais presenciais, o que causou transtorno às empresas, que além de perderem a mão de obra, tiveram dúvidas sobre quem deveria pagar o salário das empregadas, caso a atividade não pudesse ser desempenhada a distância.

A CLT, por outro lado, já previa o afastamento de empregadas gestantes que laborem em local insalubre. Nesses casos, no entanto, se não for possível executar a função em outro local na empresa, a hipótese será considerada como gravidez de risco e ensejará a percepção de salário-maternidade, durante todo o período de afastamento.

Fato é que a Lei 14.151 não cuidou de disciplinar casos que a função exercida não seja compatível com o trabalho não presencial e, na prática, diversas empresas enfrentam esse problema.

Pois bem.

Extrai-se, da leitura do dispositivo legal, que o ônus para arcar com a remuneração da empregada afastada é do empregador, sem exceção aos casos em que o trabalho remoto não seja possível.

Tal intepretação, entretanto, trará grandes impactos econômicos, sobretudo às micro e pequenas empresas, posto que o custo de arcar com a remuneração da empregada afastada, sem a contraprestação laboral e, além disso, com a remuneração devida à pessoa que venha a substituí-la, especialmente em período de pandemia, poderá ocasionar, inclusive, o fechamento de empresas.

Desta feita, na tentativa de diminuir os impactos causados pela omissão da lei, a única alternativa viável para as empresas que se encontram nessa situação, é encaminhar a empregada ao INSS, para que faça o pedido administrativo de antecipação do salário-maternidade, equiparando a situação da pandemia à hipótese de local insalubre prevista na CLT, considerando, portanto, gravidez de risco por labor em local insalubre causado pela pandemia da Covid-19.

Caso o benefício seja negado, a alterativa restante é a via judicial. Ressalta-se que já há diversos precedentes favoráveis com relação a essa matéria, nos quais autoriza-se que a empresa pague o salário-maternidade à empregada e, posteriormente, compense tais valores nas verbas devidas ao INSS a título de contribuição social.

As decisões favoráveis estão se fundamentando no dever do Poder Público definir políticas de enfrentamento da pandemia do coronavírus, promovendo os meios necessários para a proteção da população, não podendo o Estado onerar o empregador frente a clara omissão legislativa. Dessa forma, aplicam-se os preceitos previstos no artigo art. 394-A, caput e §3º, da CLT às empregadas gestantes afastadas devido à pandemia, a fim de preencher a lacuna da Lei 14.151.

Vale lembrar que caso o INSS negue o benefício pela via administrativa ou a empresa não obtenha decisão favorável na via judicial, a obrigação de arcar com os custos do afastamento permanece sendo de responsabilidade do empregador.

Importante destacar, por fim, que está em tramitação o Projeto de Lei nº 2058/2021, que poderá trazer alterações às regras previstas na Lei nº 14.151, no entanto, tal projeto de lei ainda está em andamento, portanto, permanecem válidas as disposições da Lei nº 14.151/2021.

*Priscila Salamoni de Freitas é sócia do GMPR Advogados, advogada especialista em Direito do Trabalho.