Competência da Justiça do Trabalho para julgar pedidos referentes à representação comercial

Na coluna Rota Trabalhista desta terça-feira (01), a advogada Ana Gabriella Ribeiro de Andrade escreve sobre a competência da Justiça do Trabalho para julgar pedidos referentes à representação comercial. Pós Graduanda em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Previdenciário, ela observa que, a partir do artigo 114 da Constituição Federal de 1988, a competência da Justiça do Trabalho não se baseia pura e simplesmente em relações de emprego, mas em relações de trabalho.

Leia íntegra do artigo de opinião

Ana Gabriella Ribeiro de Andrade

Observa-se a partir do artigo 114 da Constituição Federal de 1988 que a competência da Justiça do Trabalho não se baseia pura e simplesmente em relações de emprego, mas em relações de trabalho. O uso da expressão “relações de trabalho” foi propositalmente utilizada pelo legislador a fim de ampliar a competência material trabalhista  obtendo maior incidência após a Emenda Constitucional nº 45/2004.

Um dos objetivos do ordenamento jurídico lato senso é a eficácia que preceitua que todas as normas sejam eficazes em sua aplicação e promovam a satisfação na exata medida das necessidades de seus jurisdicionados. Portanto, o direito vive em um constante movimento de modernização na ânsia de acompanhar a evolução social. Alice Monteiro de Barros, em sua doutrina (Curso de Direito do Trabalho, São Paulo: LTr, 2005, p.87), dispõe sobre uma importante característica do direito do trabalho, que é a tendência in fieri. Segundo a autora, essa expressão significa que tal direito está em constante ampliação, cresce devido a suas características protetivas, reivindicatórias, cosmopolita, intervencionista, coletivo ou socializante, e ainda, por ser um direito em constante transição.

Toda essa discussão deságua em uma ampliação necessária da competência da Justiça do Trabalho, que hoje se vê apta a processar e julgar demandas sobre relações de trabalho em que se compreendem mais formas de prestação de serviço.

O artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho dispõe sobre os requisitos essenciais para a caracterização de um vínculo de emprego: onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação. Relações que não sejam constituídas expressamente com o intuito de estabelecer um vínculo de emprego, mas que estejam presentes tais requisitos podem ser vistas como relações fraudulentas (artigo 9º da CLT) e consequentemente poderá haver o reconhecimento de um vínculo empregatício.

Entretanto, não são todas as relações onde estão presentes um contratante (pessoa física ou jurídica) e um prestador de serviços (pessoa física) que haverá a aplicação das leis trabalhistas conforme a CLT e suas demais diretrizes. Neste ponto se faz necessária a devida cautela para a averiguação do caso em concreto e a existência de regramentos específicos para dirimir tais demandas, como é o caso do representante comercial.

As relações entre o representante comercial autônomo e o seu respectivo representado, são dirimidas pela Lei 4.886/65 que através de suas normas caracterizam a atividade e determina a forma de resolução dos conflitos advindos dessa prestação de serviços.

O artigo 1º da lei 4.886/65 conceitua a representação comercial autônoma como  sendo aquela exercida por pessoa física ou pessoa jurídica que não possui relação de emprego com o representado, exercendo a representação de maneira não eventual e por conta de uma ou mais pessoas. Salienta-se também que na referida lei (artigo 5º) há uma previsão de que os representantes comerciais deverão ser devidamente registrados, mesmo sendo este uma pessoa jurídica, hipótese em que deverá comprovar sua existência legal.

Além das previsões legais acerca dos requisitos para a legalidade da prestação do serviço de representação, que logicamente já afastam a aplicação das normas trabalhistas, há diretrizes estipuladas pela lei que estabelecem como as comissões deverão ser pagas, assim como os motivos para a rescisão do contrato e ainda, em caso de dúvida, a lei deixa clara a competência da justiça comum para julgar as controvérsias entre as partes da relação contratual de representação comercial.

Malgrado a situação do representante comercial parecer pacificada, encontramos algumas problemáticas advindas das relações cotidianas de trabalho que não se resolvem na pureza da lei, o que impulsiona nossos tribunais a se posicionarem de maneira pacificadora, o que diga-se de passagem, não se trata de ativismo, mas tão somente a adequação das normas existentes ao caso concreto visando a máxima efetividade da norma.

Em entendimento jurisprudencial recente, o STF ponderou tese que versa sobre a aplicação da lei 4.886/65 quanto as ações de representantes comerciais que objetivam pedido de pagamento de comissões atrasadas, neste aspecto em strito senso, não há características necessárias para o enquadramento da competência da Justiça do Trabalho para dirimir tais lides, caso em que fixa-se a competência da justiça comum para julgar a demanda do representante comercial que apenas requer pagamentos  atrasados de comissões, o que já era esperado visto que a lei em comento possui requisitos específicos para esses pagamentos. Ainda em sede de jurisprudência, o STF determina que: preenchidos os requisitos da lei 4886/65, compete à justiça comum o julgamento de processos envolvendo relação jurídica entre representantes e representados comerciais, uma vez que não há relação de trabalho entre as partes.

Em que pese o entendimento do STF nas questões apresentadas, ainda se faz possível questionar: Há possibilidade de uma demanda de representação comercial em que seja competente a Justiça do Trabalho para julgar a demanda? Existe a possibilidade de competência da Justiça do Trabalho?

Sim, se for o caso de um desvirtuamento do contrato que outrora fora estabelecido entre as partes com as limitações da lei reguladora, mas que na prática  os preceitos legais não foram observados, ocasionando em uma hipótese de fraude conforme o artigo 9º da CLT. Neste caso o magistrado trabalhista será demandado para que em busca da primazia da realidade, reconheça a existência dessa fraude e o vínculo de emprego existente no caso concreto.

Se o representante comercial objetiva o reconhecimento de um vínculo empregatício em uma reclamação trabalhista direcionada à Justiça do Trabalho, será da competência do magistrado trabalhista analisar a presença dos requisitos do artigo 3º da CLT que como outrora fora mencionado, se traduzem em: onerosidade, pessoalidade (que não significa que o empregado possui contrato intransmissível com o empregador, mas não traz a ideia de que não possa se fazer substituir, portanto não se confunde com condição personalíssima), habitualidade e subordinação (que hoje, a modernidade das relações interpessoais e de trabalho, possibilitam a presença da subordinação de uma maneira muito mais ampla, permitindo sua caracterização mesmo que em casos sensíveis) caso estes elementos estejam presentes, será configurado o vínculo empregatício entre o representante e o representado. Nesta hipotética situação, conclui-se que os eventuais pedidos decorrentes do vínculo de emprego também serão de competência da Justiça do Trabalho, não haverá posterior remessa dos autos à Justiça Comum.

Em se tratando de Justiça do Trabalho é natural nos depararmos com inúmeros pedidos, diferentemente do usual na Justiça Comum. Se houver uma petição de representante comercial pedindo o reconhecimento do vínculo empregatício com base no princípio norteador do direito do trabalho, que é o princípio da primazia da realidade, fundamentando a fraude do contrato civil estabelecido entre as partes (artigo 9º da CLT) e com isso pleiteando uma série de pedidos decorrentes deste reconhecimento que possui natureza trabalhista conforme a previsão da Constituição Federal de 1988 em seu artigo 114, a competência será da Justiça do Trabalho. Em caso de existência de uma reclamação com pedido trabalhista, como o caso do reconhecimento do vínculo empregatício, e pedidos de natureza civil permeados na reclamatória, a Justiça do Trabalho não promoverá a remessa dos autos para a Justiça Comum, visto que é competente para julgar um ou mais dos pedidos que ali se encontram.

A cumulação de pedidos está prevista no Código de Processo Civil artigo 327, que dispõe sobre a possibilidade de cumular pedidos, sendo essa situação lícita portanto. Tal artigo prevê alguns requisitos para que essa cumulação seja feita da maneira correta, ensejando por vezes a emenda da inicial para melhor adequação dos pedidos.

Aliado ao entendimento de cumulação do processo civil, como acima demonstrado, encontra-se fundamentação respaldada analogicamente no artigo 45, §1º do Código de Processo Civil que traz expressamente a previsão de que os autos não serão remetidos para outro juízo se houver pedido cuja apreciação seja de competência do juízo perante o qual foi proposta a ação.

Lado outro, o representante comercial que ajuiza uma ação na justiça do trabalho puramente com o intuito de receber as comissões atrasadas comete um grave equívoco.  Como já demonstrado anteriormente, a competência originária para dirimir essas pretensões é da Justiça Comum (artigo 39 da lei 4.886/65), desde que não haja pedido de competência da Justiça do Trabalho. Em caso de erro de endereçamento da petição inicial, onde o juízo demandado é incompetente em razão da matéria, estaremos diante de uma incompetência absoluta que conforme o artigo 64, §1º do CPC poderá ser alegada em qualquer tempo, grau de jurisdição e inclusive, pode ser declarada de ofício. A ação proposta no juízo absolutamente incompetente será remetida ao juízo competente para julgar a lide, segundo o referido artigo em seu §3º.

Em caso de remessa dos autos para juízo diverso que seja originalmente competente para dirimir a demanda, o processo remetido continuará com o seu trâmite normal, segundo o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, pois somente sofrerá a mudança de juízo para buscar a adequada prestação jurisdicional que se objetiva ao postular uma ação.

Existem diretrizes celetistas que impedem o recurso imediato na seara trabalhista para as decisões interlocutórias do juiz, todavia em caso de decisão do magistrado que reconhece a incompetência  do juízo laboral para julgar a demanda e posteriormente remete os autos à justiça que entende competente, tratar-se-á de uma decisão terminativa do feito, hipótese que está suscetível ao recurso imediato conforme o entendimento dos artigos 893 §1º c/c 799 § 2º, e súmula 214 do TST.

A diferença salutar entre uma decisão interlocutória, um despacho e uma sentença constitui-se na gravosidade da decisão para as partes. Uma decisão meramente interlocutória é aquela que não põe fim ao trâmite processual, mas apenas visa eliminar ou solucionar situações processuais que possam interferir no devido andamento do processo, não possui o condão de terminar ou pôr fim ao mesmo, a função terminativa  é da sentença. Já os despachos caracterizam-se por serem meros impulsos judiciais para que o processo caminhe e alcance suas fases normais.

No caso da decisão interlocutória que acolhe uma incompetência do juízo em prol da matéria, função ou quanto à pessoa, está presente a gravosidade e possível lesão à parte que ajuíza a inicial naquele respectivo juízo, portanto, cabe recurso imediato desta decisão que põe fim ao processo na seara trabalhista.

Nota-se portanto, que a questão é passível de problemáticas além da mera competência instituída pela lei, aprofundando-se em debate jurisprudencial, portanto, recomenda-se a devida atenção às particularidades do caso em concreto, pois estas definirão a competência para julgar a demanda, evitando maiores desgastes às partes, seus procuradores e ao sistema judiciário, que naturalmente padece com a sobrecarga processual.