Apresentação de atestado em tempos de covid: um paralelo entre o afastamento do trabalho e a justa causa


Os colegas Ellen Polyana Oliveira da Silva e Pablo Cunha Correia Viana escrevem, na coluna de hoje (25), sobre a necessidade de presentação de atestado em tempos de covid: um paralelo entre o afastamento do trabalho e a justa causa.

Ellen Polyana  é advogada, pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho e pós-graduada em Família e Sucessões. Pablo Cunha e advogado graduando em Direito Previdenciário.

Leia a íntegra do texto:

Ellen Polyana Oliveira da Silva e Pablo Cunha Correia Viana

Desde o início da pandemia causada pelo vírus da Covid-19, empregados e empregadores vêm passando por uma série de mudanças e adaptações na forma de condução das atividades laborais. Alguns empregados passaram a trabalhar sob o regime de Home Office, tendo, juntamente com seu empregador, de modo geral, que adaptar a forma de trabalho.

No entanto, com o avanço da vacinação da população, a flexibilização quanto a retomada do trabalho presencial movimentou os meandros trabalhistas, porquanto junto com tal retomada surgiram novas variantes do vírus que, inevitavelmente trouxeram consigo uma série de celeumas.

Esta nova realidade pandêmica tem sido palco de inúmeros debates jurídicos e decisões judiciais diversas que, consequentemente, caso não haja orientação específica ocasionarão dúvidas tanto aos empregados quanto os empregadores.

 No mês de janeiro de 2022, o aumento exacerbado do número de infectados em decorrência da variante Omicron, deu notoriedade a um grande debate na seara trabalhista, afinal, há necessidade de atestado médico para o afastamento na pandemia? A não observância do isolamento social exigida durante o afastamento poderia ocasionar a dispensa por justa causa?

A Portaria Interministerial MTP/MS Nº14 de 20 de janeiro de 2022 alterou o anexo I da Portaria Conjunta Nº 20 de 18 de junho de 2020 que estabeleceu as medidas a serem observadas visando a prevenção, controle e mitigação dos riscos de transmissão da Covid-19 nos ambientes de trabalho.

Ainda, destaca-se também a Lei n° 14.128/21, publicada em 26/03/2021 e que já previa a dispensa do empregado em comprovar a doença por 7 (sete) dias. Referida lei acresceu os parágrafos 4º e 5º à Lei 605/49, com a seguinte redação:

  • 4º Durante período de emergência em saúde pública decorrente da Covid-19, a imposição de isolamento dispensará o empregado da comprovação de doença por 7 (sete) dias.
  • 5º No caso de imposição de isolamento em razão da Covid-19, o trabalhador poderá apresentar como justificativa válida, no oitavo dia de afastamento, além do disposto neste artigo, documento de unidade de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) ou documento eletrônico regulamentado pelo Ministério da Saúde.

Assim, se o empregado estiver com “suspeita” de Covid-19 ou se teve contato com alguém que testou positivo para o vírus, poderá ficar isolado, por este período de 7 dias, sem a necessidade de apresentar atestado ou qualquer outra justificativa para sua ausência.

Contudo, para continuar o isolamento social, a partir do oitavo dia, o empregado deve apresentar atestado ou documento de unidade de saúde do SUS ou, ainda, documento eletrônico regulamentado pelo Ministério da Saúde, justificando, assim, suas faltas.

No mesmo contexto, conforme se observa do texto da Portaria interministerial já citada, os funcionários que testaram positivo para Covid-19, ou empregados com familiares sintomáticos, ou pessoas suspeitas de contaminação, deverão ser afastados das atividades presenciais pelo período de 10 (dez) dias, podendo este ser reduzido para 7 (sete) dias nos casos de remissão dos sintomas.

Por meio de tais medidas, o Estado buscou conter a contaminação viral transmitida nos estabelecimentos de trabalho, freando, por conseguinte, o estrondoso aumento do número de casos de Covid-19 que assolam a saúde pública.

Contudo, diante de tal cenário, surgiu um dos questionamentos suscitados por empregadores e empregados, no sentido de haver necessidade ou não  da apresentação do atestado para o afastamento do empregado.

Resta claro que o afastamento laboral, por período inferior a 7 (sete) dias, não tem como pré-requisito a apresentação de atestado médico, por esta razão, em consonância aos dispositivos citados, e por apenas esta motivação, os magistrados têm firmado o entendimento que o mero afastamento do ambiente de trabalho em razão da contaminação, por si só, não é causa jurídica suficiente para a aplicação de dispensa por justa causa.

 Ocorre que, por parte dos empregados, no que tange a esta temática, o afastamento motivado pelo Covid-19 tem sido confundido com férias antecipadas ou repouso recreativo remunerado, o que consequentemente tem gerado lides trabalhistas pontuais, haja vista que conforme determina os protocolos sanitários, aquele que se ausentar das atividades laborais deve seguir todas as medidas de segurança e isolamento social cabíveis.  Ademais, é um dever de todos prezarem pela saúde pública, em causa própria ou de terceiros.

Isso significa que, uma vez que o empregado está afastado em face do contágio de Covid-19 ou do contato com pessoa infectada e sintomática, este deve se manter em isolamento pelo período legalmente estabelecido, sem, contudo, se valer de tal situação para socialmente aproveitar os dias longe das atividades laborais.

Na esteira deste raciocínio, a 3ª Câmara do TRT da 12ª região manteve dispensa por justa causa de uma empregada que viajou durante o período estabelecido para quarentena. Nestes autos, a reclamante, empregada que laborava em um supermercado na cidade de Brusque-SC, requereu afastamento das atividades laborais após apresentar um atestado médico informando que ela teria tido contato com pessoa contaminada por Covid-19, na ocasião, a empresa afastou a empregada mediante orientação médica de que ela repousasse e permanecesse em casa, já que havia o risco de estar contaminada.

 Ao regressar, teve seu contrato de trabalho rompido por justa causa. A dispensa teria sido motivada pelo descumprimento do isolamento social e protocolos sanitários. A empregada supostamente teria realizado, durante o período de afastamento, uma viagem a lazer com o namorado.  Ainda que empregada tenha judicializado o caso, houve a manutenção da decisão que manteve a demissão por justa causa, sob o argumento de que a conduta da obreira constitui “ato de improbidade e de mau procedimento” previsto no artigo 482, incisos “a” e “b”, da CLT.

Importante destacar que o artigo 482 da CLT, elenca os atos que dão ensejo a dispensa do empregado por justa causa e tal interpretação, vem sendo aplicada nos casos de empregados que não cumpriram o período de afastamento do seu local de trabalho, levando o empregador a rescindir o contrato de trabalho por justa causa por ato de improbidade e mau procedimento. 

Neste compasso, não resta alternativa outra por parte dos empregados quanto a cumprirem com todos os protocolos e medidas determinadas pelos Órgãos Sanitários e pela legislação vigente, ao passo que tem sido recorrente a validação da Justiça do Trabalho quanto a reconhecer a validade da dispensa por justa causa em casos de apresentação de atestado médico sem, contudo, por parte do empregado haver o cumprimento de sua finalidade, qual seja o afastamento para recuperação e segurança quanto a transmissão da Covid-19.