Para juiz federal, morosidade e prescrição de crime no cenário judiciário brasileiro tem solução

Um estudo realizado pela FGV Direito Rio há três anos demonstrou que 68% das ações penais com foro privilegiado prescrevem no Brasil. O levantamento revelou que, entre 2011 e março de 2016, de 404 ações penais concluídas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), 276 delas, ou seja, 68%, prescreveram ou foram repassadas para instâncias inferiores porque a autoridade deixou o cargo. E mais, a condenação ocorreu em apenas 0,74% dos casos.

Já em relação aos inquéritos encerrados no mesmo período, o índice de prescrição ou repasse para instâncias inferiores foi menor, 38,4% (379 casos), mas em apenas 5,8% dos 987 inquéritos houve decisão desfavorável ao investigado com abertura de processo penal.

Além dos números, alguns casos emblemáticos comprovam a morosidade e a falta de celeridade do judiciário brasileiro. Renan Calheiros, ex-presidente do Senado, por exemplo, possui cinco inquéritos instaurados contra ele no STF. O último acabou se tornando uma ação penal, mas levou três anos e oito meses para que isso acontecesse. Já Marta Suplicy, ex-prefeita de São Paulo e ex-deputada, conseguiu que um processo por corrupção passiva, datado de 2008 (referente a um suposto crime ocorrido em 2000), fosse arquivado em 2015 por ocorrência da prescrição.

Casos que envolvem instâncias mais baixas também costumam se alongar no país. Tome-se o exemplo da Boate Kiss, em que os acusados de 242 delitos por homicídios consumados e 636 homicídios tentados por fatos ocorridos no dia 27/1/13, nas dependências da boate localizada na cidade de Santa Maria/RS, ainda não foram julgados. Atualmente está sendo discutido se o julgamento ocorrerá em Santa Maria ou em Porto Alegre e a sessão do júri marcada para 16 de março de 2020 foi cancelada.

A questão é: haveria alguma maneira de tornar a justiça mais rápida e assertiva? Para o juiz da Seção Judiciária Federal de Minas Gerais Carlos Haddad a implementação de um modelo de gestão judicial poderia auxiliar e muito a solucionar este problema.

“No Tribunal de Minas Gerais, ao longo de 2017, as 237 varas que participaram do Curso de Administração Judicial Aplicada apresentaram um aumento de mais de 30% no número de baixas de processos por ano, comparado com a média anterior, sem aumento da carga de trabalho e ainda com melhoria da qualidade de vida”, diz.

Haddad avalia que o curso de gestão, aplicado a distância com o professor Luís Pedrosa, por meio do Instituto AJA, foi fator determinante nesse ganho de produtividade. “Nós temos uma questão de morosidade no judiciário que é real no País e não ocorre apenas em casos mais difíceis de julgar, ela ocorre todos os dias, nas milhares de varas do país, mas na maioria das vezes o problema é consequência da falta de organização e de método nos processos”, conta o magistrado.

Ele continua que há casos que atraem mais indignação do ponto de vista da cidadania. Em Minas Gerais, seu estado de atuação, um inquérito instaurado contra Aécio Neves, em 2/5/16, para apurar a responsabilidade por crimes de corrupção passiva (art. 317 do CP) e de lavagem de dinheiro (art. 1º, V, da Lei 9.613/98) por recebimento de vantagem por empresas contratadas por Furnas Centrais Elétricas S.A. ainda está em suspenso – a Procuradoria Geral da Republica não ofereceu acusação, nem pediu arquivamento.

“O cidadão observa casos como esses nos noticiários e avalia que a justiça no Brasil é absolutamente indiferente e, muitas vezes, deixa de correr atrás de direitos em razão disso”, pondera Haddad.

Há, porém, muitos casos bem-sucedidos em razão da aplicação da gestão no ambiente judiciário. Um exemplo é a 9ª Vara Criminal Federal de Belo Horizonte, que passou pelo curso recentemente. Diante da prisão, em 17 de outubro de 2019, de dois cidadãos turcos que apresentaram passaportes falsos perante as autoridades de migração, o processo tramitou rapidamente e finalizou menos de um mês após o fato com sentença. Os réus, apesar de condenados, manifestaram por meio de intérprete sua satisfação pelo esforço dos envolvidos (magistrado, servidores, Ministério Público Federal, Defensoria Pública da União, autoridade consular) em lhes oferecer o melhor tratamento possível enquanto presentes em território nacional.

Segundo o consultor Luís Pedrosa, também o clima interno tende a melhorar na medida em que os servidores identificam possibilidades de agilizar os processos: “entre os juízes e servidores da Seção Judiciária Federal de Minas Gerais que participaram do curso em 2019, 71% indicaram que a satisfação com o trabalho melhorou e 87% avaliaram que o desempenho da unidade aumentou muito”.

Haddad acredita que os resultados práticos colhidos pelas varas mostram ser possível sim reduzir a morosidade por meio de uma revolução silenciosa, mexendo, sobretudo, nas estruturas que provocam a lentidão dos processos. Esse é o caminho mais adequado, capaz até mesmo de diminuir os custos públicos – as baixas adicionais conquistadas pelas varas participantes do curso no TJMG trouxeram um ganho de produtividade estimado em milhões para o Tribunal.