Órgão Especial do TJGO considera inconstitucional lei que proibia visitas íntimas em estabelecimentos prisionais

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Marília Costa e Silva

Por unanimidade, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Goiás entendeu ser inconstitucional a Lei Estadual nº 21.784, que proibia visitas íntimas nos estabelecimentos penitenciários do Estado de Goiás. O colegiado seguiu voto do relator, desembargador José Paganucci Júnior, que já havia suspendido, em fevereiro passado, os efeitos da legislação até o julgamento do mérito da ação ocorrido na tarde desta quarta-feira (28).

Os desembargadores acolheram os argumentos apresentados pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO) na ADI 5087913-06, protocolada em 14 de fevereiro deste ano – menos de um mês após a entrada em vigor da lei. Atuaram como aminus curae entidades como a Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas no Estado de Goiás (Abracrim-GO) e Defensoria Pública de Goiás (DPE-GO).

Nos argumentos apresentados pelas instituições e acatados pelos desembargadores está a patente inconstitucionalidade material do referido dispositivo normativo, extrapolando a competência suplementar do Estado, ao restringir direito garantido e plenamente regulado por norma federal, a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.810/1984).

Também foi defendido que a norma estadual fere o artigo 22, inciso I, da Constituição Federal, que dispõe sobre a competência privativa da União de legislar sobre direito penal e processual penal, além de afirmarem que a vedação das visitas íntimas também viola o princípio da intranscendência da pena, que estabelece que a pena não passará da pessoa do condenado (artigo 5º, XLV, da Constituição Federal), ao atingir as famílias dos reclusos.

Mérito

Em seu voto, que durou mais de 27 minutos, o desembargador Paganucci Jr. avaliou que a Lei Estadual “revela-se desproporcional, desarrazoada e fere, principalmente, o princípio da dignidade da pessoa humana”.

“O contato é fundamental para a ressocialização, o que é garantido por tratados internacionais, como Regras de Mandela. A visita íntima não é um direito absoluto, estando sujeito à suspensão individual, em caso de transgressão das regras”, afirmou. “O Estado é quem deve criar mecanismos para que o instituto não seja desvirtuado. A visita íntima trata-se de desdobramento da dignidade da pessoa humana”, afirmou.

Histórico

A Lei nº 21.784 entrou em vigor em 17 de janeiro de 2023, “proibindo visitas íntimas nos estabelecimentos penitenciários”. O Projeto de Lei foi proposto pelo deputado estadual Henrique Arantes (então PTB, atual MDB-GO) e promulgada, nos termos do art. 23, §7º da Constituição Estadual, pelo então presidente da Assembleia Legislativa, deputado Lissauer Vieira (PSD).

Após a entrada em vigor, no âmbito da OAB-GO, a pedido do presidente Rafael Lara Martins, o teor da lei foi remetido para apreciação e pareceres da Comissão de Direito Constitucional e Legislação (CDCL), presidida pelo advogado Saulo de Oliveira Pinto Coelho, com a vice-presidência do advogado Lucas da Silva Rocha, ambos signatários da petição; da Comissão de Direito Criminal (CDCrim), Comissão de Execução Penal (CEDEP) e Comissão de Direitos Humanos (CDH).

Passado para análise do Conselho Seccional da OAB-GO, o processo teve como relator o conselheiro seccional Auro Jayme, que emitiu parecer pela inconstitucionalidade da lei. Em votação no Pleno, a OAB-GO acolheu por unanimidade o ajuizamento da ADI em sessão no dia 13 de fevereiro, sendo a ADI protocolada no dia 14 de fevereiro.

Vitória

“A OAB confirma uma vitória da cidadania, devolvendo à sociedade aquilo que lhe é de direito”, comentou o presidente da Ordem de Goiás, Rafael Lara Martins, após a declaração de inconstitucionalidade da lei. A decisão do órgão colegiado tem efeito ex tunc, ou seja, retroage desde a edição da lei, não produzindo qualquer efeito.

A procuradora da Abracrim-GO, Janaina Pereira Ribeiro Borges, compareceu ao julgamento hoje. Ela considerou a decisão uma vitória para advocacia, para sociedade e para todas as instituições que se mobilizaram em prol das pessoas encarceradas. Segundo ela, o posicionamento do relator foi extremamente pertinente. “O direito reservado aos presos mantido hoje pelo Órgão Especial demonstra que a dignidade da pessoa humana foi preservada”, frisa a criminalista.