Locatário não pode ser responsabilizado após consolidação da propriedade fiduciária

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O locatário de um imóvel, cuja propriedade foi consolidada pelo credor fiduciário em razão de uma inadimplência do antigo locador, não é parte legítima para responder pela taxa de ocupação prevista na Lei 9.514/1997. A tese foi fixada pela Quarta Turma da Corte ao confirmar decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

A ação de cobrança foi proposta por um banco com o objetivo de receber a taxa de ocupação, como forma de compensação pelo período em que o morador teria ocupado indevidamente um imóvel dado em garantia fiduciária de cédula de crédito bancário.

Diante da dívida, o banco consolidou a propriedade do imóvel para si. Ao tentar adquirir a posse do bem, a instituição ficou sabendo que ele havia sido locado pelo antigo proprietário, o que motivou a notificação do locatário para que desocupasse a propriedade, mas isso só ocorreu 246 dias depois. Por essa razão, o banco pediu judicialmente que o último morador arcasse com a taxa de ocupação.

O juízo de primeiro grau reconheceu a ilegitimidade passiva do locatário do imóvel e julgou improcedente o pedido. A sentença foi mantida pelo TJSP.

Alienação fiduciária

Ana Carolina Osório, advogada especialista em Direito Imobiliário sócia do Osório Batista Advogados, explica que a Lei 9.514/1997 trata sobre alienação fiduciária. “É a modalidade de garantia em que a pessoa obtém um crédito bancário e dá em pagamento do empréstimo o próprio bem. Isso significa que o adquirente deixa de ser proprietário e tem apenas uma propriedade resolúvel daquele bem e a posse direta. Ele volta a ser proprietário no momento em que termina de realizar o pagamento das parcelas do financiamento imobiliário”.

Quando deixa de pagar as parcelas do financiamento imobiliário, a advogada destaca que a lei prevê um mecanismo “extremamente célere” para que o banco retome esse bem, que é chamado de “consolidação da propriedade”. “O banco consolida a propriedade em nome dele e realiza dois leilões, para que o débito do financiamento imobiliário seja satisfeito com o produto daquela venda”, destaca Osório.

“Basicamente, o banco apenas precisa intimar o devedor fiduciante para realizar o pagamento daquela dívida em 15 dias. E 30 dias depois da conclusão dos 15 dias é feita a consolidação da propriedade e o banco tem que realizar esses leilões”, esclarece Ana Carolina.

Julgamento

Conforme lembra o advogado Alexandre Matias, especialista em Direito Imobiliário e sócio da Advocacia Maciel, a fundamentação do ministro Antonio Carlos Ferreira, relator do caso, se embasa na definição dos sujeitos da relação jurídica apta a ensejar a cobrança da taxa de ocupação. “Isto é, o mencionado art. 37-A determina de forma expressa que caberá ao devedor fiduciante pagar ao credor fiduciário a taxa de ocupação a contar da consolidação da propriedade fiduciária”, explica Matias.

Dessa forma, segundo o especialista, o acórdão do STJ não pode ser interpretado como uma ausência de responsabilidade do locatário ao pagamento pelo uso de bem alheio, mas tão somente ausência de legitimidade para responder pela taxa de ocupação que é imputável apenas ao devedor fiduciário. “Haja vista que isso inegavelmente se traduziria em enriquecimento sem causa”, destaca.

O advogado afirma que caso o credor fiduciário tivesse apresentado pedido para o recebimento dos aluguéis fixados contratualmente com o antigo devedor ou condenação em lucros cessantes pelo uso do imóvel, o resultado teria sido favorável. “O que demonstra que o locatário deve pagar ao credor fiduciário o valor mensal dos aluguéis a partir da consolidação da propriedade fiduciária”, ressalta.

Para Ana Carolina, a lei é clara no sentido de que o devedor fiduciante se responsabiliza pelo pagamento do aluguel. “O banco acabou acionando ao meu ver de maneira bastante equivocada o locatário, enquanto ele deveria acionar judicialmente o devedor fiduciante”.

“A decisão é bastante esperada tendo em vista uma disposição clara e objetiva da lei 9.514/1997. Estranho seria uma decisão em sentido contrário atribuindo responsabilidade ao locatário, uma terceira pessoa pelo pagamento de uma taxa de ocupação”, avalia a especialista.