Lei brasileira falha em não garantir direito do trabalhador à desconexão, aponta pesquisa

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Quando a casa vira o escritório e os clientes e chefes estão a um clique de alcance, se desligar do trabalho depois do expediente é um desafio que coloca em risco a saúde das relações de trabalho e até a saúde mental do empregado. Mensagens, e-mails e até ligações fora do expediente se tornaram comuns desde o início da pandemia. Uma pesquisa realizada pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e pela Fundação Instituto de Administração (FIA) mostrou que quase metade (45%) dos entrevistados ultrapassa 45 horas semanais, 23% trabalham entre 49 e 70 horas e 6% afirmaram que excedem 70 horas, quando a jornada legal é de 44 horas na semana.

O advogado especialista em Direito do Trabalho Empresarial, Fernando Kede, diz que a pesquisa reflete a falta de diretrizes claras na lei trabalhista e alerta para a necessidade de descanso. “Estabelecer o direito à desconexão para garantir o respeito ao período de descanso e à intimidade pessoal e familiar sem ter qualquer contato com o serviço, seja ele por meio de mensagens, e-mails ou ligações, é essencial para evitar prejuízos, à saúde mental dos funcionários, diminuindo o risco das empresas serem acionadas na Justiça”, afirma.

Advogado Fernando Kede

Segundo dados da International Stress Management Association (ISMA-BR), o Brasil é o segundo país com o maior registro da Síndrome de Burnout, um mal associado ao excesso de trabalho que ganhou grandes proporções após a pandemia. “Nesse cenário, a legislação deveria garantir o direito à desconexão”, completa o especialista.

A regulamentação do teletrabalho veio em 2017 de forma tímida, em um contexto completamente diferente do atual. Na avaliação do especialista, a pandemia mostrou a necessidade de uma lei mais abrangente que estabeleça limites claros e garanta ao trabalhador o direito de se desligar do expediente sem provocar insegurança jurídica às empresas. “O empregador também precisa de diretrizes bem estabelecidas para saber o que pode ou não exigir de seus colaboradores para não ficarem expostos a riscos jurídicos”, acrescenta.

Sobre o controle de carga horária, o Ministério Público do Trabalho (MPT) estabeleceu recentemente diretrizes, por meio de nota técnica, indicando que a empresa pode limitar o expediente, o que não era previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que versa sobre o teletrabalho. “Se ele optar por controlar o horário, deverá pagar sim hora extra quando o empregado exceder sua jornada, mesmo em casos de emergências. É essencial que faça, inclusive, o monitoramento para se certificar que o expediente está sendo cumprido. Hoje existem diversas ferramentas no mercado que possibilitam isso”, orienta o advogado sócio-fundador do escritório Schwartz e Kede Sociedade de Advogados.

Garantias

O especialista afirma que uma lei abrangente traz segurança jurídica também para as empresas. “Existem casos em que empregador necessita ter um controle de horário e das atividades realizadas ao longo do dia e há outros em que esse monitoramento não é necessário, desde que a demanda seja entregue no prazo determinado, por exemplo. Essas diferenças particulares de cada atuação precisam estar previstas em lei para evitar violações aos direitos dos empregados e problemas jurídicos ao empregador”, afirma.