Justiça reconhece parceria entre fazendeiro e vaqueiro e afasta vínculo empregatício

Wanessa Rodrigues

A Justiça do Trabalho em Goiás reconheceu parceria entre um fazendeiro e um vaqueiro e afastou vínculo de empregatício que havia sido pleiteado. A parceria foi reconhecida nos moldes da Lei n. 4.504/64 (Estatuto da Terra). A decisão é dos integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região. Os magistrados seguiram voto do relator, juiz convocado Israel Brasil Adourian, que modificou sentença dada em primeiro grau pela juíza Lívia Fátima Gondim Prego, da 14ª Vara do Trabalho de Goiânia.

O vaqueiro havia entrado com pedido para que o fazendeiro fosse condenado ao pagamento verbas indenizatórias, e assinatura de sua CTPS em um período de 21 anos. Ele alegou que foi contratado em 1993 para exercer a função de vaqueiro na propriedade rural do fazendeiro. Durante todo o período em que morou no local cuidava de toda a propriedade. Ele relata que para receber seu salário tinha que tirar o leite das vacas todos os dias e vendê-lo. Após a venda, fazia um balancete tinha que tirar o dinheiro da energia e das despesas da fazenda e depois o que sobrasse representava seu salário.

Em primeiro grau, a juíza não acolheu pleitos indenizatórios decorrentes de acidente de trabalho e doença ocupacional. Porém, havia reconhecido a existência de vínculo de emprego entre as partes, de 1993 a 2003. A juíza observou que ao admitir a prestação de serviços em modalidade diversa da relação de emprego, o fazendeiro atraiu para si o ônus de demonstrar que a relação que havia com vaqueiro, de fato, ocorreu nos moldes de uma parceria rural, o que não ocorreu.

Ao entrar com recurso, o fazendeiro, representado na ação pelo advogado Flávio Antônio Andrade Junior, diz que realmente a jurisprudência é no sentido de que se admitindo a prestação de serviço, ele atrai para si o ônus de demonstrar a relação. Todavia, na própria inicial o vaqueiro confessa fatos que caracterizam uma relação de parceria, por todo o pacto mantido entre eles, o que torna desnecessária a produção de qualquer prova, posto que confessado pelo vaqueiro.

No recurso, o juiz Adourian explicou que, no contrato de parceria rural, cede-se o uso específico do imóvel rural, repartindo os parceiros os lucros ou os prejuízos resultantes da exploração da atividade agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista. Ele salienta que, embora muitas vezes a figura do empregador se confunda com o
próprio empreendimento e não seja exigido o contato entre este e o empregado para que se estabeleça uma relação de emprego, chama atenção nos autos que o próprio vaqueiro afirma que sempre trabalhou sozinho.

Além disso, que o seu pagamento correspondia a diferença entre o valor obtido com a venda do leite tirado e as despesas da fazenda, que em seus impedimentos, tinha que contratar e pagar outro trabalhador para retirar e vender o leite, desconfigurando a própria pessoalidade inerente ao contrato de trabalho. Segundo o magistrado, também é verificado que o fazendeiro não tinha controle ou fiscalizava as atividades desenvolvidas , nem mesmo possuía um preposto que o fizesse, de modo que o vaqueiro possuía grande margem de liberdade quanto ao modo de desenvolvimento das referidas tarefas, fatos que demonstram a inexistência de subordinação jurídica.

O magistrado diz que, conclui-se, portanto, que a realidade fática descortinada revela que o vaqueiro utilizava do imóvel rural cedido pelo fazendeiro, onde foram alojadas as vacas leiteiras, cujo lucro resultantes da atividade extrativista era do autor e a produção de bezerros era do reclamado. “Configurando o contrato de parceria rural, nos termos do art. 96, §1º, da Lei n. 4.504/64 (Estatuto da Terra), não havendo presença dos pressupostos configuradores da relação de emprego, tal como exigido pelo art. 3º da CLT”, diz em seu voto.