Em uma decisão inovadora, o juiz Rodrigo de Melo Brustolin, da 30ª Vara Cível de Goiânia, aplicou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para condenar um homem a indenizar a ex-mulher por estelionato sentimental. O magistrado arbitrou o valor de R$ 20 mil, a título de danos morais, além de R$ 9.890,01, de danos materiais. Da sentença cabe recurso.
O magistrado explicou que o referido protocolo orienta o julgador quanto ao valor probatório da palavra da vítima em caso de violência de gênero e relacionamentos abusivos. Ressaltou que o peso probatório diferenciado se legitima pela vulnerabilidade e hipossuficiência da ofendida na relação jurídica processual, qualificando-se a atividade jurisdicional, desenvolvida nesses moldes, como imparcial e de acordo com o aspecto material do princípio da igualdade.
Além disso, que o protocolo visa evitar a perpetuação de estereótipos e preconceitos, garantindo que as decisões judiciais reflitam uma perspectiva igualitária. “Nesse caminho, a palavra da vítima deve ser somada a outros elementos probatórios e, corroboradas por esses, valoradas com peso maior em comparação às afirmações do agressor.
No caso em questão, o depoimento da autora foi considerado de grande relevância, corroborado por testemunhas que relataram a mudança de comportamento do réu após o casamento. “Ainda que o requerido não tenha agido com dolo premeditado ou com intuito de maltratar a autora, resta evidenciado que houve uma quebra de expectativa”, disse.
Abuso emocional e manipulação
No caso em questão, segundo explicou o advogado André Gustavo de Campos Reis, do escritório MRTB Advogados, a autora enfrentou uma grave quebra de expectativa, caracterizada por um cenário de abuso emocional e manipulação. Ressaltou que, tamanha a gravidade dos fatos narrados e comprovados nos autos, que até os dias atuais a mulher trata as sequelas psicológicas geradas pelas situações as quais fora submetida durante o casamento.
Segundo explicou nos autos, durante o namoro o réu se comportou como um verdadeiro cavalheiro, prometendo amor eterno, e, em virtude disso, o então casal decidiu se casar. O relato é o de que ele participou ativamente dos preparativos, incluindo o enxoval feito no exterior e de uma lua-de-mel luxuosa, que ele se comprometeu a pagar. No entanto, após o casamento, conforme relatado nos autos, o que era sonho virou pesadelo.
O comportamento do réu mudou drasticamente, sendo que se tornou frio e abusivo, exigindo que a autora arcasse com todas as despesas do casal e realizasse todo o trabalho doméstico. Ele também se recusou a pagar sua parte no enxoval e nos custos do casamento, além de não cumprir com a promessa da lua-de-mel. Durante esse tempo, ainda mantinha relacionamentos extraconjugais e levava uma vida boêmia.
Segundo o advogado, toda essa transformação de seu então marido resultou em uma grande decepção e grave sofrimento emocional à autora, que inclusive chegou a ser internada face a gravidade da depressão que a acometeu, situação essa que culminou em um prematuro e doloroso divórcio.
Responsabilidade civil subjetiva
A sentença foi fundamentada na responsabilidade civil subjetiva, conforme os artigos 186 e 927 do Código Civil, que estabelecem que aquele que causa dano a outrem, por ação ou omissão, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito e deve repará-lo. A conduta do requerido foi considerada culposa, uma vez que causou sofrimento à autora, configurando-se, assim, o dever de indenizar.
Precedente importante
O advogado André Gustavo de Campos Reis ressaltou que este caso marca um importante precedente na aplicação do Protocolo de Gênero no Brasil, demonstrando o compromisso do Judiciário em assegurar julgamentos mais justos e igualitários.
“A decisão ressalta a necessidade de reconhecer a importância das expectativas legítimas em relacionamentos pessoais e a responsabilidade civil daqueles que as violam, contribuindo para a construção de uma sociedade mais equitativa, além do evidente avanço na justiça brasileira ao incorporar perspectivas de gênero nos julgamentos, destacando a relevância de decisões que respeitam e protegem a dignidade das vítimas em casos de relacionamentos abusivos”, completou.