Juíza reconhece inconstitucionalidade de lei ao condenar homens por roubo com emprego de soco inglês

A juíza Placidina Pires, da 10ª Vara Criminal de Goiânia, declarou a inconstitucionalidade do artigo 4º da Lei 13.654/18 em sentença que condenou dois rapazes a 5 anos e 4 meses de reclusão por roubo com o emprego de um soco inglês. A norma, que entrou em vigor no último dia 23 de abril, revogou dispositivo do Código Penal e extinguiu a majorante referente ao emprego de arma nesse tipo de crime. A referida lei prevê a majoração apenas para casos de roubo cometido com o emprego de arma de fogo, desqualificando outros tipos de armamentos.

Juíza Placidina Pires, da 10ª Vara Criminal de Goiânia.

A magistrada explica que o inciso I, do parágrafo 2º, do artigo 157 do Código Penal previa semelhante causa de aumento para o roubo praticado como emprego de arma. Contudo, mais abrangente, pois compreendia tanto a arma de fogo quanto outras armas, como facas, facões, tesouras, foices ou qualquer outro instrumento que pudesse causar lesões físicas nas vítimas. Para esses casos, a previsão de aumento da pena era de 1/3 até metade.

No entanto, conforme ressalta Placidina Pires, o legislador achou por bem, após as devidas discussões na Câmara dos Deputados e Senado, criar uma majorante específica para o roubo com emprego de arma de fogo com previsão de aumento de 2/3, revogando a previsão do artigo 157 do Código Penal. “Beneficiando, assim, os praticantes de roubos com a utilização de instrumentos vulnerantes com o abrandamento da pena, que poderá ocorrer inclusive retroativamente, atingindo quem já foi condenado”, diz.

Contudo, explica a magistrada, houve falha na votação do projeto de lei respectivo, que contaminou a nova lei, por afrontar o devido processo legislativo. Ao analisar a tramitação do PSL 149/2015, observa-se que há em seu texto inicial, no artigo 3º, previsão de revogação do inciso I, do artigo 2º, do artigo 157 do Código Penal, o mesmo acontecendo no relatório do Senador Antônio Anastasia, que concluiu pela aprovação do projeto, prevendo também a revogação do referido inciso.

Entretanto, no texto final da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, o PSL 149/2015 foi alterado, eliminando a previsão do Código Penaç. Posteriormente, em novembro de 2017, o senador Antônio Anastasia reformulou o relatório para acolher a emenda de autoria da senadora Simone Tebet, e não alterou a supressão do artigo 3º do PSL, anteriormente realizada, mantendo a coexistência das duas causas de aumento de pena. Ou seja, em 1/3 para o roubo com emprego de arma e, de 2/3, para o roubo com o emprego de arma de fogo.

“Ou seja, a revogação do inciso I, do parágrafo 2º, do artigo 157 do CP não constou do texto final da Comissão de Constituição e Justiça do Senado e nem da emenda aprovada”, observa a magistrada. Porém, a Coordenação de Redação Legislativa do Senado Federal (CORELE-SF), ao receber o texto para revisão, procedeu ao resgate do texto inicial, fazendo constar na lei a revogação do inciso do Código Penal, excluindo a majorante referente ao emprego de arma no crime de roubo.

A referida alteração, conforme se infere, não foi validamente aprovada pelos parlamentares, tendo sido realizada, por equívoco, pela CORELE-SF, que tem dentre suas atribuições, supervisionar a revisão dos textos finais das proposições aprovadas terminantemente pelas comissões, procedendo às adequações necessárias. “Sem que tenha sido aprovada pelo Congresso Nacional, ou seja, por pessoas sem competência para revogar a disposição legal, de modo que, constatado o vício, deliberei declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade formal do referido artigo que revogou o inciso I, do parágrafo 2º, do artigo 157 do Código Penal”, completa a magistrada.

Esse também foi o entendimento da 4ª Câmara Criminal do TJSP e da Procuradora de Justiça de SP que orientou os Promotores de Justiça a suscitarem ao Poder Judiciário a inconstitucionalidade formal da mencionada supressão por violação ao devido processo legislativo.

Sentença
No caso dos autos, o roubo foi praticado por dois rapazes contra duas senhoras, ocasião em que eles agrediram seriamente uma das vítimas, que teve o nariz quebrado e os dentes abalados. Um dos assaltantes utilizou um soco inglês para agredir a vítima, o que foi comprovado por meio dos depoimentos, inclusive de testemunhas. Os réus confessaram na Delegacia de Polícia, mas, em juízo, disseram que não agrediram as vítimas e tampouco pegaram a bolsa de uma delas.

Já as vítimas (patroa e empregada do lar), de modo diverso, nas duas fases, declararam que estavam paradas em um semáforo na esquina Av. Leste-Oeste, Vila Abajá, em Goiânia, quando dois indivíduos entraram no veículo em que estavam pela porta traseira, se sentaram no banco de trás e anunciaram o assalto, exigindo a chave do carro. Narraram que os assaltantes começaram a agredir a condutora do veículo com murros e, para se proteger, a outra vítima se abaixou, portanto, não foi atingida.

A motorista do veículo explicou que, assim que um dos assaltantes entrou no veículo, precisamente o que ficou atrás do seu banco, lhe deu um murro no rosto, utilizando um soco inglês, quebrando seu nariz e abalando seus dentes. Discorreu que, a todo instante, um dos assaltantes lhe agrediu, ficou muito machucada, chegando a ficar inconsciente por certo tempo. As vítimas foram ajudadas pela Guarda Civil Metropolitana.

A magistrada considerou que os réus utilizaram um soco inglês para a prática da subtração, os quais são instrumentos vulnerantes, vez que capazes de ferir as vítimas. Embora uma das vítimas tenha dito que não viu a faca no momento do roubo e os réus, na fase judicial, tenham negado sua utilização, referida arma foi apreendida em poder dos acusados.

Leia aqui a íntegra da sentença.