Jornalistas do Diário da Manhã são absolvidos de acusação de injúria

A Turma Recursal dos Juizados Especiais negou provimento a recurso em ação do ex-secretário da Fazenda, Jorcelino José Braga, movida contra jornalistas do Diário da Manhã. A queixa-crime de Braga acusava os jornalistas Ulisses Aesse, Deusmar Barreto, Sabrina Ritiely e João Bosco Bittencourt da suposta “injúria” praticada em matéria publicada na Coluna Para Choque, em janeiro de 2011.

O Acórdão aprovado por unanimidade pelos juízes Luis Antônio Alves Bezerra, Placidina Pires e Fernando Moreira Gonçalves pacificou o entendimento de que “os delitos contra a honra exigem, para a configuração penal, o elemento subjetivo consistente no dolo de ofender na modalidade de dolo específico”.

Essa conclusão dos magistrados acata a tese defendida pelo advogado Alex Neder (foto) de que jornalistas no exercício de sua função cumprem o trabalho de informar à sociedade sobre fatos ocorridos, inclusive com críticas, e que quem “está na vida pública deve saber receber essas críticas”. Além de Alex Neder atuou na defesa o advogado Marcelo Di Rezende, que foi patrono de Deusmar Barreto.

Para considerar inexistente a possibilidade de prosseguir com a ação contra os jornalistas o juiz de primeiro grau que sentenciou o caso, Osvaldo Rezende Silva, do 1º Juizado Especial Criminal, acatou a argumentação de Neder de inépcia da inicial. Essa condição processual acontece quando o julgador considera que a ação “não é apta para produzir os efeitos jurídicos”, principalmente por lhe faltarem os requisitos exigidos pela lei.

“Logo de início no curso dessa ação demonstramos equívocos que tornavam a ação sem possibilidade de prosseguir. O primeiro foi que quem assinava a coluna onde foi publicado o comentário que o ex-secretário Jorcelino Braga considerou ofensiva à sua imagem era o jornalista Nilson Gomes, que sequer foi arrolado como parte na ação”, explicou Neder.

O juiz acolheu esse argumento da defesa dos jornalistas porque o autor não inseriu Nilson Gomes na queixa-crime e por esse revés os advogados de Braga recorreram para a Turma Recursal. Mesmo com o processo sendo extinto nesse primeiro julgamento a Turma Recursal determinou que o processo retornasse para ser instruído e que ficasse provado quem era realmente o autor do fato.

Ilegalidade

“O autor da ação não arrolou nenhuma testemunha e a instrução do processo ficou sem sentido e mesmo com o novo trâmite arguimos novos fundamentos que o magistrado acatou em sua plenitude”, comenta.

O primeiro foi que a ação foi proposta nos parâmetros e nos moldes da Lei de Imprensa, a famigerada Lei 5.250, de 1967, que o Supremo Tribunal Federal revogou. “Aquela lei o Supremo fulminou sob o fundamento de que a Constituição Federal, a Constituição Cidadã, não recepcionou aquele instrumento de censura”.

Não bastasse isto, a denúncia foi formulada sem especificar qual teria sido a responsabilidade individual de cada um dos jornalistas arrolados como réus na ação. “Sem individualizar a conduta de cada um dos jornalistas não era possível proceder a uma ação penal”, explica. Sabrina Ritiely era editora de OpiniãoPública do Diário da Manhã à época; Ulisses Aesse era editor-chefe; João Bosco Bittencourt era editor-executivo e Deusmar Barreto era secretário de Redação. Nilson Gomes, o titular da Coluna e redator da nota não apareceu no processo.

O juiz Osvaldo Rezende Silva observou que injuriar significa ofender ou insultar. “É preciso que a ofensa atinja a dignidade (respeitabilidade ou amor-próprio) ou o decoro (correção moral ou compostura). Portanto, é um insulto que macula a honra subjetiva, arranhando o conceito que a vítima faz de si mesma”, relatou o magistrado citando um doutrinador.

“O ânimo de gracejo, ainda que ácido, não abrange necessariamente o elemento subjetivo exigido para a caracterização do tipo penal” e “não se evidencia especificamente a imputação de qualidades negativas ou defeitos”, mas sim, “deboche ou troça à administração, principalmente por se tratar da imitação de um diálogo ao qual se pretendeu dar efeito cômico e no qual se destaca a pessoa do governador”, frisou o julgador.

Parecer

O advogado Alex Neder elogiou o parecer proferido pelo promotor de Justiça que atuou no caso, Luis Eduardo Barros Ferreira, que acolheu as teses da defesa e enumerou os casos em que a liberdade de imprensa deve ser preservada por se tratar de instrumento da cidadania.

O promotor observou não ter ficado comprovado o dolo, ou vontade de praticar o suposto crime de injúria a honra de alguém, o ex-secretário nesse caso concreto. Nenhum dos citados na inicial – João, Sabrina, Deusmar e Ulisses – praticou ou concorreu para que fosse executada uma agressão à honra do autor da ação.

Exclusão

O jornalista Nilson Gomes assinou um documento em que ele assume inteira responsabilidade pela produção do material que Braga houvesse considerado ofensivo à sua honra. Ele escreveu, após sua assinatura e mandou reconhecer firma de sua assinatura, em março desse ano, depois que a sentença de primeiro grau havia sido prolatada. Ela poderia ter sido utilizada como reforço para a formação de opinião dos julgadores da Turma Recursal, mas já havia passado o prazo, mesmo assim ela isentou todos os citados na ação.

Nilson reforçou que a matéria publicada na Coluna Café Central, que foi objeto da queixa-crime oferecida por Jorcelino Braga é de sua única e exclusiva autoria. “Declaro ainda que, em momento algum tive a intenção de atingir a honra do sr. Jorcelino José Braga e nem do sr. Alcides Rodrigues, mas tão somente fazer uma sátira, por se tratar de uma coluna de humorismo, utilizando do meu direito constitucional de expressão”, firmou o autor do material.

História em defesa da liberdade

Alex Neder tem berço na história da advocacia em defesa da liberdade e de jornalistas que se veem processados em função de seu ofício. Seu pai, João Neder e sua mãe, Beatriz Neder estão há mais de três décadas na advocacia e Alex se juntou a eles em 1985 ainda como estagiário quando estava na faculdade de Direito.

“Nós temos uma tradição na família de sempre advogar em defesa dos jornalistas, porque entendemos que devemos lutar sempre pela liberdade de expressão e para que o trabalho desses profissionais seja sempre livre para levar informação para a sociedade”, lembra.

O advogado frisa que quando defende um profissional da imprensa está defendendo por reflexo o direito à liberdade de expressão, valor tão caro para a sociedade. “Isto ainda é pouco compreendido e aceito, mas o trabalho é feito com toda dedicação para que a sociedade receba a informação precisa e isenta sempre de modo amplo e irrestrito desses profissionais”.

Alex Neder explica que o jornalista não pode ser confundido com quem pratica o fato. “O profissional de imprensa narra o fato e leva ao conhecimento da sociedade fatos de interesse social, moral e público. Isto é uma bandeira de luta que sempre defendemos. As pessoas investidas de um cargo público precisam ter um nível maior e mais elevado de tolerância a críticas, porque está exposto como agente público e não como defensor de seus interesses particulares. Quem está na vida pública precisa estar pronto para debater e se defender sem se valer da violência de processos judiciais ou da intimidação de perseguir jornalistas e mover toda a estrutura do Poder Judiciário em proveito próprio. A Justiça já está corrigindo isto e negando prosseguimento a essas anomalias”.

Cerceamento

O editor-geral do Diário da Manhã, jornalista Batista Custódio, comemorou a vitória da defesa empreendida pelo advogado Alex Neder nessa ação, e lembrou haver um processo histórico em curso que protege quem luta pela liberdade e pune quem tenta calar a livre difusão de ideias e notícias. “Todo aquele que ousar perseguir jornalistas e a liberdade de imprensa terminará, inevitavelmente, condenado pela história e pela humanidade”, comentou.

Poderosos que se valem do cargo ocupado para tentar sufocar a voz de quem leva a informação e desnuda o poder não triunfará, nem mesmo tentando usar a lei penal para punir como se fosse crime de opinião. “Não se pode cercear a liberdade de expressão nem calar a voz que informa a sociedade”, finalizou.

Recurso

O advogado Colemar Moura, que representa o ex-secretário Jorcelino Braga na ação, disse que não concorda com a decisão da Turma Recursal e que irão recorrer da decisão para tentar fazer valer sua tese. “Vamos reafirmar em juízo nosso entendimento com todo respeito aos julgadores e aos profissionais, mas a Constituição garante também o direito de pedir à Justiça o amparo do que se pretende como direito do indivíduo.”

(Fonte: Jornal Diário da Manhã)