Em decisão proferida pela Vara Cível de Corumbaíba (GO), a juíza Marli Pimenta Naves autorizou, de forma excepcional, a colheita de grãos cultivados por ex-arrendatário em imóvel rural objeto de disputa judicial, reafirmando, porém, que a posse da terra permanece com os herdeiros do antigo proprietário. A medida, cercada por rígidas condições, foi acompanhada por fundamentação de notável sensibilidade jurídica e tom literário, na qual a magistrada pondera sobre os limites entre legalidade, razoabilidade e o justo.
A decisão foi tomada no bojo de ação possessória ajuizada pelos herdeiros da área rural situada na Fazenda Bálsamo, com 118,50 hectares. Os autores alegam ser legítimos proprietários e possuidores do imóvel, herdado de seu genitor e anteriormente arrendado ao réu da ação. Após o término do contrato de arrendamento, ocorrido em junho de 2024, no entanto, os herdeiros afirmam que retomaram a posse da área e arrendaram o imóvel a terceiros.
Segundo os autos, mesmo após o fim do contrato e mesmo havendo ordem judicial a favor dos herdeiros, o réu teria descumprido as decisões, invadindo a propriedade e realizando o cultivo da lavoura mesmo após a expedição de mandado de reintegração de posse. Embora a conduta tenha sido reconhecida como reprovável e caracterizadora de esbulho possessório, a magistrada considerou que impedir a colheita resultaria em perecimento da produção e agravamento dos prejuízos materiais já instalados.
A juíza ponderou que, embora a lavoura tenha sido plantada em solo judicialmente interditado, os frutos existentes não podem ser ignorados, e que a resposta judicial deve preservar o equilíbrio e a razoabilidade, sem se converter em sanção estéril ou em enriquecimento sem causa. “O processo deve servir para reconstruir o que foi desfeito, e não para punir com esterilidade aquilo que já se produziu”, destacou a magistrada.
A decisão também determina que os grãos sejam depositados no armazém da empresa Pecunia Armazéns Gerais Ltda, vinculado judicialmente como garantia do juízo. O valor obtido com eventual comercialização ficará retido até ulterior deliberação, com vistas à apuração de eventuais responsabilidades e compensações patrimoniais.
Após a colheita e certificação da produção, será apurado o valor comercial dos grãos, com o objetivo de promover a justa repartição dos efeitos patrimoniais decorrentes da lavoura, conforme os elementos legais e fáticos constantes nos autos.
A decisão ressalta, ainda, que eventual indenização ao réu pelos valores investidos na semeadura dependerá da demonstração inequívoca de boa-fé, o que, segundo a magistrada, encontra obstáculos até o momento diante do descumprimento reiterado das ordens judiciais emanada pelo juízo.
Por fim, a juíza reiterou que a autorização da colheita não representa qualquer flexibilização quanto à posse do imóvel, que permanece assegurada aos autores, tampouco afasta a multa coercitiva anteriormente aplicada ao réu em razão da conduta processual reprovável. Inicialmente a multa foi fixada em R$ 10 mil, mas posterior multa coercitiva foi elevada para R$ 100 mil, a fim de garantir a eficácia das decisões judiciais.
Processo 6027855-75.2024.8.09.0035