Manifesto em Defesa do Direito de Defesa

Nesta segunda-feira (21), a Seccional Goiana da Ordem dos Advogados do Brasil receberá em sua sede a Advocacia Criminal de Goiás, ocasião em que a defesa das prerrogativas no sistema prisional será o assunto do dia. Gestada por Advogados Criminalistas com destacada atuação, como Eder Muniz, Thales Jayme, Rodrigo Lustosa e Auro Jayme, a reunião, que terá início às 09 horas, e ocorrerá no Auditório da OAB-GO, pode representar um marco para a toda a classe.

Entretanto, para que a Advocacia Criminal volte a ser respeitada, é preciso que os envolvidos estejam dispostos a ir além do tradicional senso comum, marcado pela atuação policialesca de forças-tarefas que nunca tiveram força alguma e tampouco desempenharam qualquer tarefa relevante. Ao debate da violação das prerrogativas devem, portanto, ser incorporados outros elementos, possibilitando, assim, que a advocacia criminal depure suas contradições e limitações, naquilo que eu chamaria de “um olhar para dentro”, mas também que entenda a conjuntura posta e o tamanho de sua missão para alterá-la, “num verdadeiro olhar para fora”.

O “olhar para dentro” implica perceber os obstáculos para que a Advocacia Criminal possa desenvolver seu mister com autonomia e independência. Assim, a OAB Goiás deve empreender todos os esforços para que a atuação dos criminalistas seja respeitada e preservada em todo e qualquer flanco, instituindo-se, para tanto, um Observatório do Direito de Defesa, responsável pela coleta de dados sobre violações dos direitos dos advogados, análise de recorrências, identificação de responsáveis e gestão junto aos órgãos respectivos, subsidiando, de forma qualificada, a adoção de medidas administrativas, cíveis e criminais. No que alude à respeitabilidade e ao prestígio dos defensores da liberdade, a OAB deve disputar as narrativas que atentam contra a categoria através de uma campanha de seja veiculada nos quatro cantos do Estado, em torno da qual se reúna toda a classe e que expresse todos os tra;cos possíveis da advocacia criminal goiana, como a representatividade feminina, negra, da advocacia em início de carreira e da advocacia criminal LGBTQIA+.

Mas autonomia também implica em garantia material ao exercício da profissão, o que impõe à OAB a tarefa de proporcionar a ambiência necessária para que todos os advogados e as advogadas criminais possam militar em igualdade de condições, sem distinções quaisquer. Possibilitar a capacitação e o aprendizado contínuo e de qualidade por meio da ESA é medida urgente, sabe-se. Mas a garantia do direito de receber tratamento isonômico em qualquer unidade prisional do Estado é medida que reclama efetivação imediata. Por exemplo, a retomada dos atendimentos presenciais, a adoção de critérios objetivos ao agendamento de entrevistas por defensores, a existência de um local estruturado e seguro junto das unidades prisionais estaduais e no interior são exemplos. Também a existência de transporte patrocinado pela OAB, que leve os advogados desde a capital até o Complexo de Aparecida de Goiânia é medida que deve ser ponderada, dado o fato de advogados em início de carreira sequer possuírem condução própria. Importante: o advogado criminalista não pode ser tratado como um títere nas mãos de determinados Policiais Penais.

Também a garantia da segurança dos defensores criminais e de seus familiares deve ser uma preocupação da OAB/GO, evitando-se que esse debate fique limitado ao acesso à posse e ao porte de arma de fogo. A instituição deve fomentar a adoção de estratégias de defesa, de autodefesa e de heterodefesa, elementos presentes no conceito de segurança de dignatários e que é presente no cotidiano de membros da Magistratura e do Ministério Público. Assim, a análise do risco a que cada profissional é submetido deve ser garantida pela instituição, criando-se, em sua estrutura, assessoria de segurança institucional nos moldes do que já ocorre no Poder Judiciário e no Ministério Público.

Por fim, o olhar para dentro também exige que a Advocacia Criminal seja exemplo de probidade e integridade, zelando, sempre, pela nobreza da profissão e por sua respeitabilidade. A adesão a regras de compliance, tão difundidas no ambiente corporativo, pode servir a esse propósito, disseminando-se entre a classe dos criminalistas a observância das melhores práticas e extirpando-se qualquer resquício de condutas desleais entre colegas de profissão, de práticas que configurem abuso das prerrogativas e, especialmente, ilícitos de qualquer natureza.

Mas a Advocacia Criminal também precisa “olhar para fora”, sair da bolha e entender o que se passa ao seu redor, de modo a perceber que a profissão não é uma ilha e que o seu exercício não pode ser desconectado da conjuntura jurídico-política que marca o Brasil. É preciso compreender, especialmente, que os retrocessos sociais e institucionais ocorridos na última década guardam direta e cúmplice relação com um modelo de poder no qual as liberdades são descartáveis e que os indesejados sociais são tratados como inimigos a serem perseguidos, inoculados e eliminados. Nesse contexto de direito penal do inimigo, também aqueles que se “sentam no último degrau da escada” são vistos como indesejados, como obstáculos a serem eliminados, perspectiva que legitima o banal tratamento que os Advogados Criminalistas têm recebido no Estado de Goiás, especialmente quando em confronto com os abusos cometidos no sistema penitenciário.

Logo, a defesa das prerrogativas deve dar lugar à irrestrita Defesa do Direito de Defesa, compreendido em sua dimensão de direito individual e enquanto instrumento de proteção à efetivação de todos os demais direitos. É nesse contexto que ao Advogado Criminalista é dada a tarefa de limitar o poder e a missão de constranger o poder, sempre. Atualizando a frase célebre e igualmente banalizada de Heráclito Fontoura Sobral Pinto, “A Advocacia não é profissão de covardes, tampouco de “isentões”.

Desde essa mirada é possível compreender que a garantia do equilíbrio técnico entre as partes em processo penal é potencializada pela Defesa do Direito de Defesa, e que também dela decorre a garantia de que que todo e qualquer implicado, suspeito ou processado será tratado como pessoa humana, pressuposto que dimana do princípio da dignidade da pessoa humana e que, por sua vez, serve como fundamento do Estado Democrático de Direito.

Em síntese, a considerar que o Estado de Direito é fórmula política vocacionada à contenção do poder punitivo estatal, somente a Defesa do Direito de Defesa pode garantir vida longa à Advocacia Criminal. Firme nesse propósito, faço votos e elevo pensamentos para que os Criminalistas – em reunião mas também em ação – se apercebam de que são atores políticos, a quem a ordem constitucional legou a irrestrita defesa da liberdade – ah, essa insuportável liberdade!, oxigênio e força motriz do progresso da civilização.

Giro pelos Tribunais*

Hediondez do Tráfico de Drogas – Pululam Brasil afora decisões de Varas de Execução que têm afastado a hediondez do crime de tráfico de drogas ilícitas, ao correto argumento de que a superveniência do art. 19 da Lei n. 13.964 de 24/12/2019 teria revogado o § 2º do art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, única previsão legal a justificar a dimensão de hediondez, por equiparação, do delito do art. 33 da Lei n. 11.343/06. Nesse sentido, veja-se: autos n. 2000031-31.2021.9.14.0051, da Vara de Execução Penal de Santarém, PA; autos n. 0006059-34.2015.8.13.0521, da Vara de Execução Penal de Juiz de Fora, MG; e, entre outros, autos n. 0052262-35.2018.8.21.0001, de Porto Alegre, RS.

* A pesquisa contou com o imprescindível apoio do Advogado Criminalista Arthur Paulino. 

Efemérides da Justiça Criminal 

Nota 1. Está no prelo o livro do Pesquisador e Advogado Criminalista Alan Kardec Cabral Júnior, produto de criteriosa pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduação em Direito e Políticas Públicas da Universidade Federal de Goiás. Coordenada pela Professora Dra. Bartira Miranda, a pesquisa apresenta narrativa não-oficial sobre as “mortes em confronto com a Polícia Militar no Estado de Goiás”. Falta ao Advogado, somente, apoio da seccional goiana, que, ao que parece, ainda não leu o extrato da pesquisa. 

Nota 2. O talentoso Advogado Criminalista Romero Ferraz Filho alçará voo solo, condensando em torno de seu nome a relevante contribuição que tem prestado à Defesa Criminal de Goiás ao longo dessa última década.