Levando em consideração o princípio da dignidade humana, o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) tomou uma posição excepcional para garantir a uma família carente de Aparecida de Goiânia o direito à moradia. A Primeira Turma Julgadora da Segunda Câmara Cível do TJGO seguiu voto do relator, desembargador Leobino Valente Chaves, que determinou que sejam oficiados órgãos públicos Estaduais e Municipal para indiquem um local adequado para receber e acolher uma idosa e sua família que terão de desocupar o imóvel em que vivem por falta de pagamento.
O ofício se destina à OVG, Agência Goiana de Habitação (AGEHAB), Secretaria de Estado de Infraestrutura, Cidades e Assuntos Metropolitanos (SICAM) e Secretaria Municipal de Habitação (SMHAB). O magistrado reformou parcialmente decisão de primeiro grau, dada pelo juiz da 1ª Vara Cível de Goiânia, Lusvaldo de Paula e Silva, que não impediu a reintegração de posse, mas condicionou a sua efetividade à indicação, pela empresa Mulotimóveis Empreendimento e Participações Ltda, de local adequado ao realojamento da idosa e sua família, os quais permanecem com a ocupação indevida por serem pessoas carentes.
Sentença Arbitral foi proferida em outubro de 2007, em que se rescindiu, pelo fato de inadimplemento, o Contrato de Compra e Venda firmado entre as litigantes, referente ao imóvel situado na Cidade Vera Cruz II, em Aparecida de Goiânia, e determinou a imediata desocupação do imóvel. Porém, a família não cuidou em desocupar o imóvel. Ao tentar cumprir a ordem judicial, o oficial de Justiça se deparou com uma situação que não pode ser desprezada e tão pouco negligenciada.
Segundo relato dos oficiais de Justiça, trata-se de uma pessoa idosa, 67 anos, doente, com um filho de 52 anos, também doente com esquisofrenia. Além disso, que ganha um salário mínimo e cuida de dois netos, um de 8 anos e outro de 9 anos de idade. No imóvel tem dois barracões de três cômodos, onde a família vive em condições sub-humanas. Ela informou que vive com a ajuda de vizinhos e que não tem para onde ir. Os oficiais de Justiça declararam que, em 35 anos de trabalho, ficaram realmente comovidos com a situação, considerada por eles de calamidade pública.
Amparo
Em primeiro grau, o juiz observou que ‘jogar’ uma família paupérrima ‘no meio da rua’ afronta os ‘fins sociais’ e ‘às exigências do bem comum’, previstos na lei. Mesmo que essa mesma lei igualmente ampare o direito de propriedade, o interesse individual e privado. Ele ressaltou que, como o quadro de miserabilidade ostentado pela compradora indica ter sido a vendedora imprudente no negócio, concedendo crédito e insuflando a falsa esperança da casa própria para quem não possuía condição financeira de arcar com os pagamentos mensais, deve a empresa arcar com os ônus dos meios e do tempo necessários para reintegrar-se na posse.
A condição imposta por Lusvaldo, conforme declara, está amparado em dispositivos legais e também na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Estatuto do Idoso. “Assim o faço pelas crianças, pela idosa e pela pessoa doente e necessitada de cuidados especiais”, completou o magistrado. A empresa não discorda de que a família precisa de ajuda, assistência e acompanhamento, porém, expressamente discorda apenas de que é justamente ela que possui a responsabilidade para tal.
Intenções
Apesar das melhores e bem virtuosas intenções do julgador de primeiro grau, o desembragador observa que não poderá prevalecer a ordem quanto à imputação de um dever que a parte credora não está sujeita. É que, como também ficou assentado na liminar do recurso, o dever assistencial compete essencialmente, ao Estado, que é, e deve ser, o garantidor dos princípios constitucionais, mormente o da dignidade da pessoa humana, a considerar as desigualdades sociais tamanhas existentes.
Porém, o desembargador salienta que a desocupação, da forma como a letra da lei assim o determina, inflige lesão grave e de difícil reparação à esfera jurídica da família da agravada, não se olvidando que cabe ao Poder Público guardar observância ao princípio da dignidade da pessoa humana, assim como ao direito constitucional de moradia.
O desembargador salienta que, no contexto dos autos, avulta-se cristalina a afronta ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, além dos princípios refletidos na Lei 10.741/2003 (Estatutodo Idoso), de modo que o fato reclama posição excepcional para a garantia que o Estado deva conferir aos cidadãos, em que o Estado-Juiz não pode e nem deve fechar os olhos. “Assim, no embate entre o direito de propriedade e o da dignidade da pessoa humana, penso que o melhor é estabelecer um meio termo, a ponto de conferir-se ambos os direitos, dentro da ótica social que o caso requer”, completa.