A LFRE, número 11.101/05, determina que a decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário (artigo 6º), exceto as ações onde se esteja discutindo quantias ilíquidas, e que na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput do artigo 6º, em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial.
Parece, em princípio, muito simples e de fácil entendimento o que diz a Lei. Ou seja, deferido o processamento da recuperação judicial, suspendem-se as ações e execuções contra a recuperanda pelo prazo de 180 dias, e que, passado este prazo, que é improrrogável, aos credores dá-se o direito ou de prosseguir nas ações porventura em curso, ou mesmo de iniciar outras. Ora, desde o princípio de vigência da LFRE, a prática mostrou que as coisas não deveriam ser como está escrito na letra fria da Lei, sob pena de nenhum pretendente do benefício alcançá-lo. E isto porque, ao elaborar o plano de recuperação judicial, os bens da recuperanda o integram, ficando vinculados ao seu respectivo cumprimento cuja duração dura anos. Daí, qualquer constrição sobre qualquer bem da recuperanda poder prejudicar o cumprimento do plano.
Mostrado isto na prática, os Tribunais de Justiça e especialmente o Egrégio Superior Tribunal de Justiça passaram a tratar a questão por outro ângulo, até mesmo para se cumprir o maior princípio contido na Lei 11.101/05, ou seja, a continuidade da atividade ou a preservação da empresa. Tanto é que o STJ, em sua Jurisprudência em Teses, Edição nº 35, Recuperação Judicial I, no Enunciado de número 6, pacificou que “o simples decurso do prazo legal de 180 dias de que trata o art. 6º, § 4º, da Lei n. 11.101/02005, não enseja retomada automática das execuções individuais”.
A prática mostraria, também, que uma outra questão seria um grande entrave para se alcançar a plenitude do cumprimento do plano de recuperação judicial, é claro, associada à questão da constrição: o juízo competente sobre os bens da recuperanda. Se o universal da recuperação judicial ou o juízo que determinasse a constrição? Também, em obediência ao princípio acima referido – a manutenção da atividade -, a jurisprudência veio em socorro do efetivo cumprimento do plano de recuperação judicial, assentando que a competência sobre todos os bens da recuperanda é do juízo universal.
O STJ, mais uma vez, e por ser ele a última instância para conhecer e julgar questões relacionadas a Lei 11.101/05, pacificou, agora pela sua 2a Seção (composta pelas Terceira e Quarta Turmas), no AgInt no CC 149.736/DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/03/2017, DJe 13/03/2017), que:
“AGRAVO INTERNO NO CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. MEDIDAS DE CONSTRIÇÃO DE BENS INTEGRANTES DO PATRIMÔNIO DA EMPRESA. DECISÃO AGRAVADA QUE DEFERIU A LIMINAR PARA SUSPENDER A AÇÃO DE EXECUÇÃO CONTRA A SUSCITANTE. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS (FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA). QUESTÕES TRAZIDAS PELA AGRAVANTE QUE SERÃO ANALISADAS POR OCASIÃO DO JULGAMENTO DE MÉRITO.
AGRAVO DESPROVIDO.
- O entendimento da Segunda Seção desta Corte é no sentido de ser o Juízo onde se processa a recuperação judicial o competente para julgar as causas em que estejam envolvidos interesses e bens da empresa recuperanda, inclusive para o prosseguimento dos atos de execução que envolvam créditos apurados em outros órgãos judiciais.
- As questões suscitadas pela agravante serão analisadas por ocasião do julgamento de mérito do presente conflito, devendo ser mantida, assim, a decisão agravada que deferiu a liminar para suspender os atos executórios em relação à empresa em recuperação judicial. (destacamos).
- Agravo interno desprovido”.
Nada obstante nos depararmos no dia-a-dia com questões idênticas às acima citadas, ao final sempre prevalecerá a competência do juízo universal da recuperação judicial sobre todos os bens de qualquer recuperanda, vez que o princípio da continuidade desta (interesse de todos) é muito mais importante do que o interesse de qualquer credor isoladamente.
*Renaldo Limiro é advogado especialista em recuperação judicial. Autor das obras A Recuperação Judicial Comentada Artigo por Artigo, Ed. Delrey; A Recuperação Judicial, a Nova Lei.., AB Editora; e, Manual do Supersimples, com Alexandre Limiro, Ed. Juruá. É membro da ACAD – Academia Goiana de Direito e da TMA Brasil. É atual vice-presidente da Acieg. Mantém o site www.recuperacaojudiciallimiro.com.br