O pensamento do STJ sobre a suspensão das ações e execuções contra o devedor na recuperação judicial

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    A Lei de Falências e Recuperação de Empresas (LFRE), de número 11.101/05, traz em seu seio alguns dispositivos que, desde o início, cuja aplicabilidade já se mostrava inviável na prática. Um deles, por exemplo, é o artigo 6º e seu § 4º, que dizem: “A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário. § 4o Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial. (grifamos).

    Em princípio, o prazo acima estabelecido de 180 (cento e oitenta) dias de suspensão das ações e execuções, cujo beneficiário único é o devedor (jamais os garantidores), é porque se acreditava que neste período o plano de recuperação judicial já teria sido aprovado. Na prática, mostrou-se impossível. Num segundo momento, e se mesmo aprovado o plano de recuperação judicial no prazo acima estabelecido, imaginou o legislador que se pudesse dar sequência às execuções e ações até então suspensas contra o devedor. Outro erro, vez que se assim fosse, o prosseguimento das execuções e ações  poderia implicar no sucesso do cumprimento do plano. E assim ocorreu durante algum tempo, até que a questão chegasse ao Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que assim passou a decidir, no AgRg no CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 119.624– GO (2011⁄0257631-6), cujo relator foi o eminente Ministro Luis Felipe Salomão. A Ementa ficou assim redigida:

    “EMENTA PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PROCESSAMENTO DEFERIDO. NECESSIDADE DE SUSPENSÃO DAS AÇÕES E EXECUÇÕES. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRECEDENTES. 1. Em regra, uma vez deferido o processamento ou, a fortiori, aprovado o plano de recuperação judicial, revela-se incabível o prosseguimento automático das execuções individuais, mesmo após decorrido o prazo de 180 dias previsto no art. 6º, § 4, da Lei 11.101⁄2005. Precedentes. 2. […]  3. Agravo regimental não provido.”

    Tão contundente é o voto do ilustre Ministro Luis Felipe Salomão, que tomamos a liberdade de transcrevê-lo em parte, eis que o mesmo dá uma verdadeira lição de per si e também citando outros julgados de colegas do STJ, todos no mesmo sentido, qual seja, o de que o período de 180 dias pode ser prorrogado e que, acima de tudo, há que se preservar a atividade. Assim:

    “A irresignação, data venia, não prospera. A jurisprudência desta Corte acerca da interpretação a ser dada ao art. 6º,§§ 4º e 5º, da Lei 11.101⁄05, que trata da suspensão das ações e execuções propostas em face do devedor quando deferido o processamento da recuperação judicial, é torrencial no sentido da competência do Juízo da recuperação, levando-se em consideração o fato de que o princípio da preservação da empresa deve prevalecer. (…). “É bem de ver que o prazo de 180 dias, fixado pela lei para suspensão das ações e execuções, é um período de defesa, de modo a permitir que a empresa possa se reorganizar, sem ataques ao seu patrimônio, com intuito de viabilizar a apresentação do plano de recuperação. Nada impede, pois, que o juízo da recuperação, dada as especificidades de cada caso, amplie o prazo legal.” “Em regra, portanto, uma vez deferido o processamento ou, a fortiori, aprovado o plano de recuperação judicial, revela-se incabível o prosseguimento automático das execuções individuais, mesmo após decorrido o prazo de 180 dias previsto no art. 6º, § 4, da Lei 11.101⁄2005.” (grifamos).

    Assim, os dispositivos ora analisados passaram a ser letra morta na Lei 11.101/05, pois, no fundo, o que interessa mesmo de verdade, desde que o devedor se mostre viável, é a sua recuperação. Desta forma, em obediência aos princípios que nortearam a confecção da Lei de Falências e Recuperação Judicial, o STJ se firmou no sentido  da inobservância de qualquer prazo que pudesse inviabilizar ou a aprovação do plano ou mesmo o seu cumprimento.

    Renaldo Limiro é advogado especialista em recuperação judicial no escritório Limiro Advogados Associados S/S. Autor das obras A Recuperação Judicial Comentada Artigo por Artigo, Ed. Delrey; Recuperação Judicial, a Nova Lei…, AB Editora; e, Manual do Supersimples, com Alexandre Limiro, Editora Juruá. É membro da ACAD – Academia Goiana de Direito e atual vice-presidente da Acieg. Mantém o site www.recuperacaojudiciallimiro.com.br