Constituição brasileira não admite pena perpétua e de banimento do esporte

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    Volta e meia os noticiários dão conta de que determinado atleta teria sido banido ou eliminado perpetuamente do esporte. Para alguns esportistas essas penas certamente representariam a perda da vontade de viver, algo talvez mais cruel que a cadeira elétrica ou o pelotão de fuzilamento. É que para muitos o esporte representa a entrega e dedicação de uma vida inteira, um sonho transformado em realidade.

    Pois bem. A Constituição Federal de 1988 com muita sabedoria e sensibilidade, no rol dos direitos e garantias fundamentais, proclama:

    “Art. 5º (…)

    XLVII – não haverá penas:

    a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

    b) de caráter perpétuo;

    c) de trabalhos forçados;

    d) de banimento;

    e) cruéis”.

    Ao leitor mais apressado, importante por em destaque que o texto da Constituição é genérico e amplo ao empregar a expressão “penas”, desacompanhada de qualquer adjetivação ou subclassificação.

    Assim, seja na seara da educação, da cultura, do ensino, do desporto, da ciência e da tecnologia, da pesquisa e em todas as demais, a Constituição não admite qualquer tipo de condenação que possua contornos perpétuos ou ares de banimento.

    E a razão de ser da possibilidade (e necessidade) da aplicação do Art. 5º, Inciso XLVII, da Constituição, a todos os habitats e momentos da vida dá-se justamente em razão da República brasileira fundar-se no princípio da dignidade da pessoa humana.

    Todas as penas de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis colidem frontal e diretamente com princípio da dignidade da pessoa humana. Desnecessária qualquer outra consideração aqui. Senão, essa foi a conclusão final do constituinte originário positivada na Lei Maior.

    Não seria possível, muito menos razoável, sugerir que a dignidade da pessoa humana possuísse apenas um viés penal, que as garantias fundamentais do cidadão insculpidas no Art. 5º, Inciso XLVII, da Constituição, ignorasse a tutela da pessoa humana noutras categorias de direitos.

    Por evidente, as penas e castigos vedados pelo texto constitucional aplicam-se inteiramente aos casos de atletas em seus julgamentos perante suas respectivas justiças desportivas. A Constituição, naturalmente, não retira do atleta por ficção jurídica sua condição de pessoa humana.

    Outrossim, comitês e entidades internacionais do esporte não podem submeter suas decisões à República Federativa do Brasil que violem o comando imperativo do Art. 5º, Inciso XLVII, da Constituição. Nem mesmo a eventual alegação da celebração de tratados ou convênios internacionais pelo Brasil poderiam conferir efetividade a essas penas inadmissíveis em nosso território.

    Bom frisar, só os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais (Art. 5º, §3º).

    Matéria esportiva não é matéria de direitos humanos. Noutras palavras, tratados e convenções internacionais sobre direito e entidades desportivas jamais terão status de emenda constitucional. Assim, classificados como lei ordinária, uma vez colidentes com o texto constitucional, serão expurgadas de nosso ordenamento pátrio.

    Nem se alegue que o Art. 217, §1º, da Constituição teria criado um hiato no rol dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana. Ao contrário, esse dispositivo apenas confirma o postulado da inafastabilidade do controle jurisdicional, condicionado ao esgotamento das instâncias da justiça desportiva.

    Esgotada a jurisdição desportiva, o atleta poderá se valer do Poder Judiciário, em todas as suas Instâncias, para fazer valer a supremacia da Constituição, acaso ferido o contido em seu Art. 5º, Inciso XLVII.

    Por derradeiro, consigne-se que é imprescritível a ação tendente a reparar violação dos direitos humanos ou dos direitos fundamentais da pessoa humana. Pelo que o atleta condenado a qualquer das penas expressamente vedadas pelo Art. 5º, Inciso XLVII, poderá a todo momento pleitear sua invalidade.

    *Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público do Estado do Espírito Santo