A competência do juízo universal da recuperação judicial frente aos executivos fiscais

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    Desde a vigência da LFRE, nº 11.101/05, isto é, 09 de junho de 2005, os mais diversos Conflitos de Competência tem sido instaurados no Judiciário brasileiro, especialmente quando se trata de atos expropriatórios sobre quem encontra-se em recuperação judicial. A grande maioria tem origem na Justiça especializada do trabalho, seguida da Justiça Federal quanto às ações de execução de natureza fiscal. Hoje, vamos tratar desta última.

    É verdade que a Lei 11.101/05 diz no § 7º do seu artigo 6º, que  “As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica”, bem como que “A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento” (art. 187 do Código Tributário Nacional). Assim, em princípio, o crédito tributário, por não se sujeitar aos efeitos da recuperação judicial e tampouco ser suspensa qualquer execução desta natureza frente a uma recuperação judicial, o lógico é o início ou o prosseguimento de atos expropriatórios sobre o recuperando.

    Os Tribunais brasileiros, ao longo destes quase 12 (doze) anos de vigência da Lei 11.101/05, enfrentaram a questão, com decisões díspares, até que a mesma chegou ao Egrégio Superior Tribunal de Justiça, pois esta Casa da Cidadania brasileira é a competente para dirimir e julgar questões decorrentes da Lei infraconstitucional, que é o caso da Lei 11.101/05.  Sempre com base nos 12 (doze) princípios que precederam a LFRE, especialmente no que trata da continuidade da atividade ou preservação da empresa, desde que esta seja viável, o STJ tem proferido decisões nos denominados Conflitos de Competência e em julgados outros, sempre no sentido de afirmar que a competência para a realização de atos expropriatórios, mesmo nos executivos fiscais, não é do juízo respectivo, mas sim do juízo universal da recuperação judicial, principalmente após o deferimento do processamento e até a respectiva concessão da recuperação judicial.

    Assim, em sua Jurisprudência em Tese, o STJ aprovou diversos enunciados no sentido acima, sendo, a nosso ver, o mais contundente, o de n. 11, Edição nº 35, Recuperação Judicial I, onde pacificou que, “A competência para promover os atos de execução do patrimônio da empresa Recuperanda é do juízo em que se processa a recuperação judicial, evitando-se, assim, que medidas expropriatórias prejudiquem o cumprimento do plano de soerguimento.”

    A par do enunciado acima transcrito, dezenas de outros existem no mesmo sentido, como, por exemplo, os dois seguintes (letras a e b), da 2a Turma do STJ, que julga, entre outras, questões tributárias:

    1. a) Processual Civil. Tributário. Agravo Interno no Recurso Especial. Recuperação Judicial. Execução fiscal. Bloqueio de Ativos Financeiros. Atribuição do Juízo Universal.
    2. A execução  fiscal  não  se  suspende  com  o  deferimento  da recuperação  judicial. No entanto, a jurisprudência do STJ firmou-se no  sentido  de  que  os  atos  de  alienação e constrição devem ser submetidos  ao  juízo  da  recuperação  judicial,  em  homenagem  ao princípio da preservação da empresa. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1616438/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/02/2017, DJe 14/02/2017).
    1. b) Processual Civil. Agravo Regimental no Recurso Especial. Execução Fiscal. Empresa em Recuperação Judicial. Suspensão do Processo de Execução. Pedido de Penhora via Bacenjud. Impossibilidade de concretização da constrição durante o período de suspensão, ressalvada a prática de atos executivos, caso seja retomado o processo de execução, na linha de entendimento desta Turma (RESP 1.512.118/SP). Agravo Regimental desprovido por outros fundamentos. (AgRg no REsp 1540221/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/06/2016, DJe 12/09/2016).

    Por último, transcrevemos parte (letra c – AgInt no CC 140.021/MT), de Relatoria do Ministro João Otávio de Noronha, integrante da 2a Seção do STJ (composta pelas 3a e 4a Turmas), que julga, entre outros, os casos de falência e recuperação judicial:

    1. c) Processo Civil. Agravo Interno no Conflito de Competência. Execução Fiscal e Recuperação Judicial. Compatibilização das regra e princípios. Continuidade da Execução Fiscal. Atos de Constrição Judicial. Competência do Juízo da Recuperação Judicial. Edição da Lei n. 13.043, de 13.11.2014. Parcelamento de Créditos da Empresa em Recuperação.
    2. A execução  fiscal  não  se  suspende  com  o  deferimento  da recuperação  judicial; todavia, fica definida a competência do Juízo universal para dar seguimento aos atos constritivos ou de alienação.
    3. ( …)

    Precedentes  da  Segunda  Seção”  (EDcl no AgRg no CC n. 137.520/SP, relator Ministro Marco Buzzi, Segunda Seção, DJe de 1º/3/2016). 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no CC 140.021/MT, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/08/2016, DJe 22/08/2016).

    Constatado fica, portanto, que os atos expropriatórios dos executivos fiscais sobre empresas em recuperação judicial não podem, absolutamente, ser realizados, pois, segundo o STJ, haveria prejuízo para o soerguimento da recuperanda, e que quem tem competência para decidir sobre é o juízo universal da recuperação judicial.

    *Renaldo Limiro é advogado especialista em recuperação judicial. Autor das obras A Recuperação Judicial Comentada Artigo por Artigo, Ed. Delrey; A Recuperação Judicial, a Nova Lei.., AB Editora; e, Manual do Supersimples, com Alexandre Limiro, Ed. Juruá. É membro da ACAD Academia Goiana de Direito e da TMA Brasil. É atual vice-Presidente da ACIEG. Mantém o site www.recupercaojudiciallimiro.com.br