Sued Araújo Lima*
Receber uma notificação do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB informando sobre uma representação ética é um dos momentos mais difíceis na carreira de qualquer advogado.
E isso independe da experiência, notoriedade ou tempo de atuação: o impacto emocional é real.
Mais do que um processo, estamos falando de algo que atinge diretamente três pilares essenciais para o exercício da advocacia: habilitação profissional, reputação e confiança construída ao longo de anos.
E é justamente por isso que, mesmo quando o advogado está convicto de que não cometeu qualquer infração ética, o processo deve ser tratado com absoluta seriedade, técnica e estratégia.
- A falsa segurança da “inocência” — por que sua defesa ainda é indispensável
A principal armadilha que acomete advogados representados, sobretudo os que enfrentam essa situação pela primeira vez, é o argumento subjetivo da inocência:
“Mas eu não fiz nada de errado.”
Esse raciocínio, embora compreensível, não se sustenta juridicamente. O processo ético não avalia apenas intenção, mas atos, condutas, contextos e, sobretudo, provas.
Mesmo que não haja má-fé, a simples violação de norma pode configurar infração disciplinar.
O ônus da prova — da legalidade da conduta e da ausência de infração — é do representado, o que reforça a necessidade de uma defesa sólida, tecnicamente construída e bem fundamentada.
- As principais preocupações de quem é processado na OAB
- Temor pela carreira
A possibilidade de sanção (advertência, censura, suspensão ou até exclusão) é concreta. Ainda que a exclusão seja medida extrema, o medo de sofrer uma penalidade é legítimo.
- Repercussão profissional
Mesmo sendo um processo sigiloso (art. 72, §2º, EAOAB), em ambientes jurídicos menores ou em casos envolvendo clientes, a notícia da representação pode circular. Isso abala relações e compromete a imagem profissional antes mesmo de qualquer julgamento.
- Insegurança jurídica e desconhecimento do rito
A maioria dos advogados nunca lidou com processos disciplinares nem como parte, nem como defensor. Isso gera dúvidas sobre prazos, etapas, recursos e possibilidades reais de absolvição ou acordo.
- Impacto emocional e isolamento
O silêncio é comum. Muitos evitam comentar com colegas ou buscar ajuda por receio de exposição ou julgamento. Isso agrava a angústia e compromete a reação estratégica.
- Conheça o rito processual e seus direitos
O processo ético na OAB segue, em regra, as seguintes etapas:
- Representação e Admissibilidade – A presidência do TED verifica a presença de elementos mínimos (Art. 57, CED). Caso faltem requisitos formais, o arquivamento pode ser requerido.
- Notificação e Defesa Prévia – O advogado é citado para apresentar defesa no prazo de 15 dias úteis.
- Instrução – Produção de provas, depoimentos e manifestação de testemunhas. O relator elabora parecer com sugestão de sanção ou absolvição.
- Julgamento – Realizado por Turma Julgadora ou Câmara do TED, com direito à sustentação oral pelo representado ou seu defensor.
- Recurso – Ao Conselho Seccional e, se necessário, ao Conselho Federal, com efeito suspensivo garantido (Art. 77, EAOAB).
Dica: consulte o ementário da sua Seccional. Conhecer os precedentes e o posicionamento da banca julgadora é um diferencial estratégico.
- Evite atuar sozinho na própria defesa
Essa talvez seja a dica mais importante deste artigo.
Mesmo que o advogado possua domínio técnico e pleno conhecimento do direito, a condução da própria defesa em um processo disciplinar é emocionalmente desgastante e juridicamente arriscada.
A atuação defensiva exige:
- Distanciamento emocional;
- Leitura estratégica do processo;
- Conhecimento profundo do regimento do TED;
- Construção de teses defensivas baseadas em fatos, não apenas em argumentos legais genéricos.
Lembre-se: Terceirizar a defesa não é sinal de fraqueza — é medida de prudência.
- Trate o processo com seriedade — mas sem desespero
Cada caso tem suas nuances, e muitas representações resultam em arquivamento ou penalidades brandas, desde que haja uma atuação bem conduzida na defesa.
A serenidade é a primeira etapa de uma boa estratégia.
Tratar o processo com equilíbrio emocional, responsabilidade e discrição é fundamental.
Evite:
- Comentários públicos;
- Postagens em redes sociais sobre o processo;
- Reações impulsivas contra cliente ou colegas.
Cuide da sua imagem — ela continua sendo um dos seus ativos mais valiosos.
- Teses defensivas possíveis mesmo sem “culpa”
Mesmo quando não há dolo, é possível defender-se com base em:
- Ato atípico ou ausência de reprovabilidade ética;
- Erro justificável pela complexidade do caso ou falha de terceiros;
- Desvio de interpretação sem afronta direta ao EAOAB;
- Irregularidades processuais (falta de notificação, ausência de despacho, vício formal).
- Considerações Finais
Enfrentar um processo ético-disciplinar é uma experiência tensa e emocionalmente exigente.
Contudo, com atuação jurídica especializada, clareza do rito processual, teses bem elaboradas e respeito às etapas legais, é possível enfrentar a representação com segurança e preservar sua trajetória profissional.
Desse modo, o processo ético não é uma sentença automática, mas sim uma oportunidade — e, muitas vezes, um teste de maturidade profissional.
*Sued Araújo Lima é sócio do escritório Merola & Ribas Advogados. Especialista em Direito Público pelo Instituto Goiano de Direito. Foi Assessor da Presidência do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/GO.