“Tama lá, dá cá” – A inconstitucionalidade contida na Lei 14.592/2023

Isabela Scelzi Amaral*

Dentro de um pacote com cunho arrecadatório visando sanear as contas públicas, o Governo Federal publicou algumas Medidas Provisórias logo no início do ano, dentre elas estavam a MP nº 1147/2022 e a MP 1.159/23. Como o prazo para conversão das Medidas em Lei estavam se exaurindo, o Congresso Nacional fez um acordo com o Governo e no findar do mês de maio, ao publicar a Lei 14.562/23 resolveu unificar o os textos legislativos abordado em ambas as Medidas, em que pese tratarem de assuntos completamente distintos.

A referida Medida Provisória de nº 1147/2022 legislava sobre os benefícios do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), já a MP e nº 1.159/23 tratava da determinação de exclusão do ICMS da base de cálculo do crédito de PIS/Cofins no sistema não cumulativo. Na abordagem deste último tema, apontamos um grave imbróglio constitucional que será desencadeado por esta lei, criada para dirimir impactos de outro problema, que durou anos para ser resolvido pela Corte Suprema.

Sabe-se que em 2021 o STF colocou fim a chamada “Tese do Século” ao julgar o RE 574.706 (Tema 69), onde se consolidou a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na Base de Cálculo do PIS e da Cofins, fundado no sábio raciocínio de que o ICMS não se confunde com receita ou faturamento da empresa, posto que o ICMS representa uma receita transitória nos cofres das empresas que, ao final, repassam estes valores para o estado arrecadador.

Em sendo assim, sob a justificativa que em caso de não adequação do tratamento do ICMS na base de crédito do PIS/Cofins, as perdas de arrecadação para o Tesouro poderiam ultrapassar os R$ 60 bilhões em 2025, foi publicada a MP 1.159/23, agora convalidada na Lei 14.592/23.

Vale lembrar que a Receita Federal, publicou em 2021 o Parecer Cosit 10 tentando justificar a necessidade de exclusão do ICMS do crédito de PIS e Cofins por “decorrência lógica” do julgamento do Tema 69. Parecer, este, contestado pela PGFN no Parecer SEI 14.483/2021/ME, que afirmou que dependeria de regulamentação legal a previsão da exclusão do ICMS da Base de Cálculo do crédito do pis e da Cofins. Em que pese a previsão agora estar contida na Lei, o texto legal carrega em si vieses inconstitucionais, passíveis de serem questionados judicialmente pelo contribuinte.

O que o Governo Federal busca, desde o fim do julgamento, é um paralelismo entre a exclusão do ICMS da Base de Cálculo das Contribuições (PIS/Cofins) – Tema 69 citado acima – e a exclusão do ICMS da base de cálculo do cálculo dos créditos do PIS e da Cofins no sistema não cumulativos. Ressalta-se, neste ponto a Lei carrega em si um grave problema constitucional, passível de ser questionado judicialmente.

Explica-se, o ICMS apenas circula sobre o caixa da empresa, não integralizando a sua receita bruta, grandeza escolhida como base de cálculo para estas contribuições, sendo o contribuinte, neste caso, mero agente arrecadador do tributo indireto estadual.

Já para a apuração dos créditos das contribuições – denominado de “sistema base contra base” – foi eleito o valor de aquisição dos bens e mercadorias como base (3º, §1º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003), o que, jurídica e economicamente, inclui o valor do ICMS, inclusive foi o que o STF decidiu ao julgar o tema 214: “A base de cálculo do ICMS, definida como o valor da operação da circulação de mercadorias (art. 155, II, da CF/1988, c/c arts. 2º, I, e 8º, I, da LC 87/1996), inclui o próprio montante do ICMS incidente, pois ele faz parte da importância paga pelo comprador e recebida pelo vendedor na operação”.

Conclui-se que a ânsia arrecadatória do Governo acrescida da não aceitabilidade da derrota nos autos do RE 574.706/PR mais uma vez o levou a publicar uma norma que fere a segurança jurídica, além de confusa e inconstitucional, prejudicando ainda mais o contribuinte brasileiro e faz surgir mais um questionamento judicial que provavelmente levará décadas para ser finalizado, tal qual o Tema 69.

*Isabela Scelzi Amaral é advogada tributarista.