Suicídio por policial

Roberto Serra Maia da Silva, presidente da CDH

*Roberto Serra Maia da Silva

O “suicídio por policial” (suicide by cop) pode ser compreendido como sendo um evento em que indivíduos suicidas provocam policiais a atirar neles. O termo foi usado pela primeira vez em 1983 por Karl Harris, um médico legista do condado de Los Angeles (EUA).

Fundamentado nessa teoria americana, e embalado pelo desfecho do sequestro ocorrido na Ponte Rio-Niterói, em que 39 passageiros foram feitos reféns por Willian Augusto da Silva, morto por um atirador de elite do Batalhão de Operações Policiais Especiais do Rio de Janeiro, o senador Flávio Bolsonaro apresentou ao Senado Federal o projeto de lei (PL) n. 4.640/2019 para alterar o Código Penal, a fim de incluir nas hipóteses de legítima defesa o “suicídio por policial”, em que o agente policial para “prevenir ou repelir injusta agressão a sua vida ou a de outrem” mata quem “se recusar a negociar ou a se entregar, e demonstra comportamento de que aceita ou assume o risco de que a situação se resolva com sua própria morte”.

Ocorre que o nosso atual Código Penal, ao prever o crime de participação em suicídio (art. 122), rechaçou a aceitação do suicide by cop, na medida em que vedou a conduta de se concorrer, de algum modo, para que outrem destrua voluntariamente sua própria vítima.

A legislação penal também já garante o direito ao exercício da legítima defesa pelo uso moderado dos meios necessários para repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direto próprio ou de terceiro (art. 25), bem como estabelece que não haverá crime quando o agente atua no estrito cumprimento de um dever legal (art. 23, III), punindo-se, entretanto, apenas os eventuais excessos (dolosos ou culposos). Vale dizer, policiais que atuarem em situação de legítima defesa, e em estrito cumprimento do dever de agir, haverão de ser sumariamente absolvidos na justiça.

Na verdade, o texto legislativo apresentado pelo senador retoma assunto já abordado no “Pacote Anticrime”, encaminhado aos deputados no início deste ano pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, onde também se previu modalidade assemelhada de legítima defesa para agentes de segurança pública.

De todo modo, o PL n. 4.640/2019 configura verdadeira “licença para matar”, subverte a racionalidade hierárquica na importância dos bens jurídicos, e certamente acabará por ensejar impunidades pela violência policial, já que os agentes estariam isentados da responsabilização criminal. 

*Roberto Serra da Silva Maia é professor universitário e presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-GO