Sobre a Constitucionalidade – ou não – da prisão do Senador Delcídio do Amaral

advogado Sergio Antonio Merola MartinsA notícia da prisão da recente Senador Delcídio do Amaral deixou o país um pouco mais esperançoso na luta contra a corrupção. Desde a promulgação da Constituição de 1988, Delcídio foi o primeiro Senador em atividade no país a ser preso.

Porém, junto com a euforia da punição, surgiram os questionamentos sobre a constitucionalidade desta prisão, uma vez que, na própria Carta Magna, existem os institutos da imunidade material e formal dos parlamentares. No caso da prisão, o que nos interessa é a imunidade formal, portanto, falaremos mais um pouco sobre ela.

A imunidade formal garante aos parlamentares duas prerrogativas distintas: impossibilidade de ser preso e possibilidade de sustação do andamento da ação penal.

No que tange a prisão, o STF já pacificou o entendimento de que a vedação constitucional se restringe apenas às prisões cautelares (flagrante, temporária e preventiva), sendo possível a prisão do parlamentar por sentença judicial transitada em julgado.

Sobre as prisões cautelares, a disposição constitucional prevista no art. 53, § 2º, diz que desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante delito de crime inafiançável. Após a prisão, os autos serão remetidos à Casa respectiva (Senado ou Câmara) em 24 horas, para que, pelo voto da maioria dos seus membros, resolva sobre a prisão.

Com tudo isso exposto, cabe-nos a pergunta: o Senador Delcídio do Amaral foi preso em razão de crime inafiançável ou preso preventivamente?

Bom, aqui, faz-se necessário expormos os argumentos do requerimento do Ministério Público defendendo a prisão preventiva do parlamentar:

– A imunidade dos parlamentares à prisão cautelar não é absoluta, sob pena de restar configurado um privilégio odioso. 

– Seria uma teratologia (monstruosidade) jurídica admitir que alguém esteja sujeito ao processo penal, mas não possa sofrer à incidência de uma prisão cautelar. 

– O Poder Judiciário não pode assistir de “mãos atadas” a um congressista submetido a processo penal agindo ostensivamente para intimidar testemunhas e suprimir provas.

A decisão do STF no âmbito da Ação Cautelar nº 4039, de relatoria do Ministro Teori Zavascki, foi no sentido de que há elementos que indicam que Delcídio incorreu no crime tipificado no art. 2º, § 1º, da Lei nº 12.850/2013:

Art. 2º – Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.

1º – Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.

Esse crime é considerado pela doutrina e pela jurisprudência um crime permanente, e, como tal, com possibilidade de flagrante a qualquer momento. Mas, chamamos a atenção para a situação principal: ele não é, por si só, um crime inafiançável. Então, por que Delcídio foi preso? Zavascki entendeu que, nesse caso, estavam presentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, que autorizam a prisão preventiva, configurando a hipótese de inafiançabilidade, prevista no art. 324, IV, do mesmo código.

Art. 312.  A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

Art. 324.  Não será, igualmente, concedida fiança:

IV – quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).

Ao final de sua decisão, o Ministro disse que “ante o exposto, presentes situação de flagrância e os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, decreto a prisão cautelar do Senador Delcídio do Amaral”. Aqui, mais um parêntese necessário: ao dizer “decreto a prisão cautelar”, Teori não está decretando a prisão preventiva de Delcídio, mas, sim, a prisão por flagrante de crime inafiançável.

Vários juristas criticaram a decisão do Ministro, considerando-a uma manobra jurídica para maquiar a inconstitucionalidade da prisão, transformando-a na hipótese prevista na Carta Republicana de “salvo em flagrante de crime inafiançável”.

A polêmica aumenta quando analisamos o teor das gravações, principalmente no momento em que Delcídio fala que já conversou com alguns Ministros do STF, inclusive com Zavascki, deixando, subtendido, que possuía uma relação estreita com os integrantes da Suprema Corte.

Por tudo isso, difícil dizer se a prisão de Delcídio do Amaral foi ou não constitucional, já que existem bons argumentos para as duas posições. Mas, não podemos negar que a prisão do Senador em exercício retrata o clamor da sociedade por justiça e pelo fim da impunidade nos crimes de colarinho branco.

*Sérgio Merola é especialista em Direito Público e advogado da banca Tibúrcio Advogados.