Eduardo Siade e Márcio Roberto Jorge Filho*
O reconhecimento de firma é um ato notarial amplamente utilizado no Brasil, sendo um requisito frequente para a validade de diversos documentos. No entanto, quando ocorre uma falsificação de assinatura, surge a dúvida: o tabelião pode ser responsabilizado civilmente pelo reconhecimento da firma fraudulenta?
Essa questão foi recentemente analisada pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), que reformou uma sentença que condenava um tabelião a indenizar um particular por ter reconhecido, por semelhança, uma assinatura que posteriormente se revelou falsa.
Este artigo analisa os limites da responsabilidade civil dos tabeliães nesses casos e destaca a importância de compreender a distinção entre reconhecimento de firma por semelhança e por autenticidade.
Diferença entre reconhecimento por semelhança e por autenticidade
Na prática cartorária, o reconhecimento de firma pode ser realizado de duas formas:
• Reconhecimento por semelhança: O tabelião verifica se a assinatura constante no documento se assemelha graficamente àquela arquivada na ficha de assinaturas do cartório. O signatário não precisa estar presente no cartório, e o ato não confere autenticidade à assinatura, apenas similitude gráfica.
• Reconhecimento por autenticidade: O tabelião atestará a autenticidade da assinatura, pois o signatário assina o documento na sua presença e se identifica mediante documento oficial. Esse procedimento garante maior segurança jurídica.
O Código de Normas do Foro Extrajudicial de Goiás disciplina essa questão no artigo 476, deixando claro que o reconhecimento por semelhança não certifica a identidade do signatário, apenas a similitude gráfica com o padrão arquivado no cartório.
Essa distinção é essencial para entender os limites da responsabilidade do tabelião em casos de falsificação.
A responsabilidade civil dos tabeliães: quando existe e quando não existe
Nos últimos anos, temos observado um crescimento no número de ações indenizatórias contra tabeliães por reconhecimento de firma em assinaturas fraudulentas. Contudo, a Lei nº 8.935/1994, que regula a atividade notarial, estabelece no artigo 22 que os tabeliães só podem ser responsabilizados se houver culpa ou dolo na prática do ato.
Para que haja responsabilização civil, é necessário comprovar:
1. Erro grosseiro ou negligência no exercício da atividade;
2. Dolo ou intenção deliberada de causar prejuízo;
3. Nexo causal entre a conduta do tabelião e o dano sofrido pela parte lesada.
Os tribunais brasileiros têm entendido que não há responsabilidade do tabelião quando a fraude não pode ser detectada a olho nu e exige análise técnica pericial.
O caso concreto e a decisão do TJGO
Em um caso julgado pelo TJGO, um tabelião foi condenado ao pagamento de indenização sob a alegação de que teria reconhecido firma em um contrato fraudulento.
Entretanto, a sentença foi reformada porque:
• O reconhecimento de firma foi feito por semelhança, sem a presença do signatário.
• O laudo pericial confirmou que havia semelhança formal entre a assinatura falsificada e a ficha arquivada no cartório.
• A falsificação foi sofisticada, não sendo grosseiramente detectável.
• O tabelião agiu dentro dos limites legais, cumprindo as exigências normativas para o reconhecimento por semelhança.
A decisão reconheceu que o tabelião não pode ser responsabilizado quando age dentro das suas atribuições e não há prova de erro grosseiro ou dolo.
Precedentes e jurisprudência aplicável
O entendimento do TJGO está alinhado à jurisprudência nacional, que reforça a necessidade de dolo ou culpa para a responsabilização do notário. Vejamos algumas decisões sobre o tema:
“No ato de reconhecimento de firma incumbe ao tabelião atestar a autenticidade da assinatura constante de um documento, não lhe competindo averiguar a veracidade das declarações ou dos documentos de identificação apresentados pelas partes. Não há falar em responsabilidade civil do Estado, quando o evento danoso decorre de atuação fraudulenta de terceiro de má-fé.” (TJ-MG – AC 5014939-93.2020.8.13.0313)
“O reconhecimento de firma falsificada não impõe o dever de indenizar à tabeliã, que o fez tendo em vista a semelhança entre a assinatura aposta no contrato e a constante na ficha do cartório.” (TJ-RO – APL 0013168-31.2010.822.0002)
Esses precedentes consolidam a ideia de que o tabelião não pode ser responsabilizado pela falsificação se o reconhecimento foi feito dentro dos parâmetros legais.
6. O que esse caso ensina?
A decisão do TJGO traz lições importantes para tabeliães, empresas e cidadãos em geral:
1. O reconhecimento de firma por semelhança não garante a identidade do signatário, apenas a similitude gráfica da assinatura.
2. A responsabilidade civil do tabelião exige prova de erro grosseiro ou dolo, não bastando a ocorrência de fraude.
3. Fraudes sofisticadas exigem análise pericial especializada e não podem ser detectadas pelo tabelião no ato do reconhecimento.
4. Para maior segurança em negócios jurídicos, recomenda-se o reconhecimento de firma por autenticidade.
Essa decisão reforça nossa orientação de que o reconhecimento por autenticidade deve ser adotado sempre que possível, especialmente em contratos de alto valor.
Este caso foi patrocinado pelo nosso escritório e resultou em um importante precedente sobre a responsabilidade dos tabeliães no reconhecimento de firma por semelhança. O Tribunal de Justiça de Goiás reafirmou os limites da responsabilidade civil dos notários e garantiu maior segurança jurídica às atividades cartorárias.
Por se tratar de um processo público, poderíamos divulgar o número do caso. No entanto, por respeito à privacidade do nosso constituído, optamos por não fazê-lo diretamente. Caso o leitor tenha interesse em mais detalhes, podemos fornecer a íntegra da decisão mediante solicitação.
Conclusão
A decisão do Tribunal reforça que o tabelião não responde automaticamente por fraudes praticadas por terceiros. Para haver responsabilização, é necessário demonstrar que houve erro grosseiro ou atuação dolosa no reconhecimento da assinatura.
A segurança jurídica nos atos notariais passa pelo entendimento adequado dessas distinções. Caso haja dúvidas sobre procedimentos cartorários ou a necessidade de um reconhecimento mais seguro, a recomendação é buscar orientação jurídica especializada.
*Eduardo Siade é advogado com destacada atuação no estado de Goiás, especialmente no Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) e no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). É magistrado aposentado e também possui formação em Medicina. Atualmente, é sócio do escritório Siade Jorge Advogados Associados, onde contribui com sua expertise em diversas áreas do direito.
*Márcio Roberto Jorge Filho é advogado com inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Goiás, sob o número 22.152. É mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Atua como professor universitário e é sócio do escritório Siade Jorge Advogados Associados.