Recomendações a respeito dos efeitos do coronavírus nos contratos civis

*André Okamoto

Desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a Covid-19 como pandemia, diversos setores econômicos tiveram que paralisar, na íntegra, suas atividades, em razão da veemente indicação de isolamento social e não aglomeração de pessoas, dada a fácil transmissão e difusão do vírus entre a população. Reside, portanto, a seguinte questão: caberia a justificativa em descumprir obrigações previstas em contratos em razão do inconteste fator imprevisível que assolou os mais variados países ao redor do mundo?

Conforme dispõe a legislação civil sobre o tema, o Código Civil prevê em seu artigo 393 que o devedor não responderá por prejuízos resultantes do não cumprimento de uma obrigação em caso de força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Ou seja, primeiramente, deve-se observar se o contrato entabulado determina a sua responsabilização independentemente de fatores supervenientes e imprevisíveis.

O instituto da força maior se refere a fatos necessários cujos efeitos não era possível evitar ou impedir, causados por fatores humanos ou naturais. Ou seja, trata-se de excludente de responsabilidade por parte de quem se via vinculado a determinada obrigação, mas não a pôde cumprir, eximindo-se de qualquer culpa para tanto. Assim, a segunda análise a ser feita é se, em razão da pandemia global, houve um impedimento inconteste e comprovável a justificar a impossibilidade de cumprimento de uma obrigação assumida contratualmente.

Veja-se, a título exemplificativo, que o governo chinês ofereceu a quase cem empresas locais um “Certificado de Força Maior” emitida por Órgão de Comércio Exterior do governo (CCPIT – Conselho da China para Promoção do Comércio Internacional) a justificar o descumprimento de obrigações contratuais, como entregar mercadorias ou pagar faturas, entre outras obrigações previamente acordadas[1]. Tal fato ocorre porque, neste ponto e similar à legislação brasileira, previu-se a excludente de responsabilidade por fatores imprevisíveis que enseja a aplicabilidade do referido instituto, em tentativa de auxiliá-las em disputas com parcerias estrangeiras.

Apesar da clara (e alarmante) interferência que o Covid-19 causará na economia, é preciso verificar se os tribunais pátrios tratarão a referida pandemia como força maior. Por meio da análise de casos similares em situações que, outrora, tornam-se parecidas com a realidade atual que vivemos, é possível acreditar que o coronavírus poderá ser considerado como fator imprevisível a ensejar o descumprimento de contratos.

De qualquer forma, deve-se avaliar caso a caso com cautela para identificar eventual culpa em relação ao descumprimento de obrigação. Fatores importantes que devem, imprescindivelmente, ser analisados previamente a evitar eventual responsabilidade dos contratantes: i. se não há cláusula de exoneração por força maior pactuada em contrato; ii. o objeto da obrigação seria de impossível cumprimento em razão da pandemia? (veja-se que, aqui, ainda é importante relacionar ‘causa e efeito’, ou seja, o descumprimento da obrigação com a omissão pela parte que deixou de cumpri-la com nexo causal com a pandemia global).

Registre-se que, em contratos de execução continuada ou diferida, também caberia a análise da conhecida “teoria da imprevisão”, que ocorre quando a execução de contrato se tornaria excessivamente onerosa para um dos contratantes por fatores supervenientes, extraordinários e imprevisíveis, gerando grande desequilíbrio contratual. Nesse caso, poderá o devedor rescindir o contrato com base no art. 478 do Código Civil. A teoria da imprevisão é oponível, inclusive, em contratos firmados com o Poder Público, conforme dispõe a Lei de Licitações, art. 65, II, “d”.

Portanto, diante da incerteza sobre qual será o entendimento da jurisprudência sobre o Covid-19, fortemente se recomenda às partes conciliarem formas de renegociações a fim de minimizar prejuízos a todos. Igualmente, desde já se recomenda a realização de notificação imediata aos fornecedores ou parceiros comerciais a justificar o descumprimento de obrigações ou eventuais alterações contratuais, como prorrogação de prazos ou simplesmente a impossibilidade de cumprimento da obrigação.

 Cada caso deverá ser analisado individualmente. Há de se ter em mente que, apesar de o instituto de força maior excluir a culpa pelo prejuízo decorrente no descumprimento contratual, é preciso relacionar prudentemente a ‘causa e efeito’ do descumprimento do contrato (nexo causal) com o ato ou omissão que ensejou seu descumprimento, diretamente relacionados à pandemia global.

Podemos concluir que, caso esteja na iminência de ocorrer o descumprimento de uma obrigação vinculada a um contrato, em razão da paralisação de suas atividades, orientações de isolamento ou impossibilidade de transporte de cargas, recomenda-se sempre a tentativa de renegociação, via composição amigável com seus parceiros comerciais. A situação atual exige cautela, novos planejamentos e maior flexibilidade das partes, evitando-se que o prejuízo econômico se alastre em todas as negociações afetadas pelo Coronavírus.

*André Okamoto é advogado do Departamento de Contencioso e Arbitragem da Andersen Ballão Advocacia.