Andressa Munaro Alves*
O avanço tecnológico traz consigo a impaciência e a ansiedade por metas e resultados. O mundo do trabalho definitivamente não é mais como era quando de suas primeiras configurações. O mundo mudou. A tecnologia encontra-se umbilicalmente entranhada às novas relações, trabalhadores sofrem pelo medo da substituição, novas profissões surgem, e com elas estranhos desafios são verificados. Os clichês não mais se repetem.
Dessa forma, como estar dentro dos padrões? Mas, há padrões? Como pertencer a um determinado lugar? Qual lugar? Paradoxalmente, vive-se um momento em que até o trabalho é realizado em qualquer local. Vivemos em uma era flutuante.
Evolução da expressão “quiet quitting”, que anunciava a “demissão silenciosa”, a “quiet ambition”, que no português significa “ambição silenciosa”, é corolário do alerta da necessidade de transformação na realização do trabalho. Enquanto a primeira expressão refere-se aos profissionais que, receosos de voluntariamente se demitirem, decaem a sua produção na espera de que o empregador o faça. O “quiet ambition”, por sua vez, funda-se em outra preocupação profunda e, quiçá, anunciadora de (urgente) reconstrução social.
Quando se fala em “quiet ambition”, fala-se naqueles profissionais que não buscam empregos (apenas) com perspectivas de ascensão na carreira, eis que com essa crescente enormes responsabilidades surgem – e nem sempre estão acompanhadas de realização pessoal. Em outras palavras, o fenômeno em comento traduz aqueles que vivem (e procuram) um trabalho que preserve equilíbrio emocional, que faça sentir, que faça sentido.
É bem verdade que o trabalho, desde que o mundo é mundo, é realizado para alcançar a pecúnia que lhe é consequência, haja vista que é por meio da labuta e dos valores que por ela se percebe que se pode adquirir tantas coisas. Mas a pandemia anunciou um arsenal de outras possibilidades para o trabalho, possibilidades jamais pensadas, tampouco reconhecidas como justas, a julgar, por exemplo, pelo estigma que o home office carregou por longos períodos, assim como a teimosia de que “o trabalho precisa ser realizado dentro da redoma empresarial e ponto”.
O mundo mudou, mais uma vez. E, com esta mudança, decaíram-se as certezas de que o trabalho só pode ser realizado dentro dos muros do empreendimento do empregador, e pior: que o trabalho é só aquele mediante vínculo empregatício que, diga-se de passagem, é só mais uma das espécies do gênero trabalho, assim como tantas outras formas dignas e justas de realização laborativa.
Passo atrás. Talvez tenha-se que ressignificar a forma de trabalho, libertando-se das amarras da empregabilidade, lançando luzes à trabalhabilidade, e tudo que aqueles que efetivamente a possuem podem realizar. Nesta toada, importante recordar que trabalhabilidade é[1] “readaptar-se constantemente ao cenário laboral através de seus próprios predicados; é um trabalhador que se vale de sua própria vocação para o exercício de sua lida; alguém capaz de ressignificar durante todos os dias de sua vida a prática de seu trabalho, proporcionando para si (e para a sociedade) novas e melhores formas de atingir metas e resultados em toda e qualquer atividade. Ou seja, possuir trabalhabilidade é transbordar o que há de melhor através do exercício laborativo, desprovendo-se de rótulos previamente enlaçados, vez que, aos possuidores de tal virtude, a realização laboriosa fundar-se-á em um incessante descobrir novos (e melhores) caminhos a serem navegados.”
Sabe-se que a trabalhabilidade não será o coringa de todos os jogos e das novas e futuras relações de trabalho, mas imprescindível se faz o estabelecimento da conscientização de que, sim, o trabalho de hoje não é só (exclusivamente) para a contraprestação numeral, mas (também), para o crescimento pessoal do trabalhador. Reconhecido tal novo marco temporal, é possível estabelecer novas possibilidades.
Com isso, prévio aos lamentáveis novos “quiets”, e os quadros de profissionais que decaem sua produção para que outrem o desligue de vínculo que não faz mais sentido, assim como preliminar ao “receio” da confissão de que se deseja trabalhar com equilíbrio e preservação da saúde mental, deve-se investir na trabalhabilidade destes.
Isto porque, aos trabalhadores munidos de tal predicado, o desejo de ressignificação não será tabu, pois realizar-se-á recomeços de forma constante – e consciente. De toda sorte, em época própria para o conhecido slogan do “futuro já começou”, embalam-se os votos para que, no apagar das luzes de 2023, o ano de 2024 que se aproxima traga o trabalho calcado na busca de valor para aquele que o realiza – não se referindo apenas aquele atinente ao valor pecuniário.
Trabalhabilidade aos flutuantes, trabalhabilidade aos que pertencem aos clichês. Trabalhabilidade para trabalhar!
*Andressa Munaro Alves é doutoranda e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) – Bolsista CAPES. Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Escola Superior Verbo Jurídico Educacional. Professora no Programa de Graduação em Direito nas Faculdades Integradas São Judas Tadeu. Pesquisadora e Líder de eixo do Grupo de Pesquisas “Novas Tecnologias, Processo e Relações de Trabalho” (PUCRS). Advogada. andressa.castroalvesadv@gmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4221813695037911.
REFERÊNCIA
[1] ALVES, Andressa Munaro. A Trabalhabilidade como direito social fundamental: O critério da ponderação como alternativa à sua realização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2023. p. 139.