Matheus Elias Hanna*
A contratação direta de profissionais da saúde por entes públicos se dá, essencialmente, por concursos públicos e pela celebração de contratos de credenciamento.
Os concursos públicos estão previstos no artigo 37, inciso II, da Constituição Federal e deveriam constituir a regra na contratação de profissionais da saúde por estados, municípios e União. É que os concursos constituem instrumentos indispensáveis para a construção de uma administração pública livre da cultura do empreguismo e do apadrinhamento político, pautada, efetivamente, pelos princípios da moralidade, igualdade, eficiência e impessoalidade.
Aos concursados, estão assegurados todos os direitos previstos no artigo 7º, incisos IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, da Constituição Federal. São eles: garantia de salário mínimo; 13º salário; remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; salário-família; duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais; repouso semanal remunerado; horas extras acrescidas de 50%, quando houver; férias acrescidas de 1/3; licença maternidade; licença paternidade; proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos; redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; e proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.
contrato de credenciamento, por sua vez, está previsto na Lei nº 14.133/2021 e, ao contrário dos concursos públicos e dos processos licitatórios, não envolve competição e outros aspectos meritórios para a sua efetivação. Na prática, o Credenciamento é um cadastro de prestadores de serviços que preencham os requisitos necessários para a execução de um objeto junto à Administração Pública.
A celebração de contratos desta natureza deveria constituir uma exceção na contratação de profissionais da saúde pela administração pública, sobretudo porque são instrumentos que devem ser utilizados para, à luz do artigo 37, IX, da Constituição Federal, “atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.
Neste caso, a ocorrência de catástrofes ambientais, epidemias, pandemias ou, simplesmente, o aumento considerável e inesperado de internações em um estado
ou município podem, por exemplo, justificar a contratação de profissionais da saúde por
intermédio de contratos de credenciamento.
Estes contratos, no entanto, devem durar enquanto permanecer a necessidade excepcional do ente público, devendo obedecer ao prazo estabelecido no contrato.
Não obstante, na tentativa de burlar concursos públicos, os quais demandam tempo e custos mais elevados, muitos estados e municípios acabam renovando sucessivamente os contratos de credenciamento, em uma clara afronta aos princípios da impessoalidade, moralidade e transparência.
Esta renovação sucessiva de contratos de credenciamento, sem qualquer justificativa plausível, estende aos credenciados todos os direitos acima mencionados, dentre os quais destacam-se o 13º salário e as férias acrescidas de 1/3, além do adicional de insalubridade e do FGTS.
Trata-se de entendimento consolidado da jurisprudência do STF, conforme voto proferido pelo Ministro Dias Toffoli, nos autos do Recurso Extraordinário nº 956351, publicado em 02/06/2016. Veja-se trecho da decisão:
O acórdão atacado não diverge da jurisprudência desta Corte, que já assentou a nulidade do ato de contratação temporária quando essa contratação se prolonga ao longo dos anos em renovações sucessivas, descaracterizando o conteúdo jurídico do artigo 37, inciso IX, da Constituição Federal, que determina que para que se considere válida a contratação temporária é necessária a existência de excepcional interesse público e que o prazo da contratação seja determinado.
Nessa hipótese, é devida a extensão dos direitos previstos no artigo 7º da Constituição Federal ao servidor contratado temporariamente, com base no artigo 37, inciso IX, da Carta da República.
(Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 956.351, Relator: Ministro Dias Toffoli, Publicado em 02 de junho de 2016).
Sobre o adicional de insalubridade, muito embora o parágrafo 3º do artigo 39 da Constituição Federal não o preconize como uma garantia dos servidores públicos, a Carta Magna não exclui a possibilidade de ele estar previsto na lei dos entes federados.
Neste caso, não há dúvidas de que, nas cidades em que a legislação municipal prever a incidência de adicional de insalubridade aos servidores que exerçam atividade insalubre, os profissionais da saúde credenciados que tiverem seus contratos sucessivamente renovados também farão jus ao adicional. É que a Norma Regulamentadora do MTE nº 15, anexo XIV, definiu que as atividades exercidas em hospitais, em contato permanente com pacientes, são tidas como insalubres.
Sendo assim, os servidores credenciados que tiverem seus contratos sucessivamente renovados pelo ente público, desvirtuando-os do seu caráter transitório e excepcional, passarão a ter direito ao recebimento de férias acrescidas de 1/3, 13º salário, adicional de insalubridade e FGTS.
*Matheus Elias Hanna é a dvogado, mestrando em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas pelo Centro Universitário do Distrito Federal, especialista (LL.M.) em Direito Societário pelo Insper, e em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas.