Prisão preventiva decretada de ofício: o que os tribunais superiores e o TJGO têm decidido

*Alan Kardec Cabral Jr. e Rodolpho Mendes

A Lei Anticrime modificou o artigo 311 do Código de Processo Penal, buscando consagrar, ainda mais, o sistema acusatório. Para tanto, tentou coibir a decretação da prisão preventiva de ofício “em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decreta pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial”.

A problemática que se levanta, nesse contexto, se desenvolve entorno da possibilidade ou não de o magistrado decretar a prisão preventiva de ofício. Assim, na literalidade do artigo mencionado, o raciocínio que se desenvolve é que o juízo não pode decretar a prisão preventiva ou qualquer outra medida cautelar pessoal de ofício.

No Supremo, a 1ª Turma, cujo relator foi o Ministro Marco Aurélio, tem entendimento pacífico que: “descabe cogitar de implemento de prisão preventiva sem que haja requerimento” (HC n. º 127.328/RS).

No entanto, a questão não parece tão simples quando se discute a conversão do flagrante em prisão preventiva no momento da homologação flagrancial, nos termos do artigo 310 do Código de Processo Penal.

Para muitos, o juízo que converte a prisão em flagrante em prisão preventiva, na análise do APF, sem nenhum requerimento da acusação, estaria agindo de ofício, o que tornaria a prisão ilegal.

Esse é o posicionamento da primeira Câmara Criminal do TJGO. No caso concreto decidido, o juízo converteu a prisão inicial em preventiva de ofício, sem a oitiva prévia da defesa e do Ministério Público, o que gerou “a nulidade do ato por inobservância do regramento vigente” (HC nº 5334241-15, Rel. Des. Ivo Favaro, julgado 11.08.2020).

Lado outro, há posicionamento defendendo a legalidade da prisão preventiva “convertida de ofício” quando da análise do APF, ainda que sem requerimento dos legitimados, pois estaria o magistrado cumprindo uma determinação legal (art. 310, inc. II, do CPP).

Esse posicionamento pode ser extraído da própria 1ª Turma do STF: “atendidos os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal, a conversão de flagrante em preventiva independe de provocação do Estado-acusador ou da autoridade policial” (HC 174102/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado 18.02.2020).

Para justificar essa posição, o Ministro Marco Aurélio afirmou que: “notem a interpretação sistemática do Código de Processo Penal. O versado no artigo 311 segue o disciplinado no 310, em termos de conversão de flagrante em preventiva. Ao receber o flagrante o auto de prisão, o Juiz deve, de forma fundamentada, afastá-la – quando ilegal ou cabível a liberdade provisória – ou convertê-la em preventiva. Trata-se de determinação legal cuja observância independe de provocação do Estado-acusador ou da autoridade policial”.

Em sentido semelhante, já decidiu o STJ: o juiz, mesmo sem provocação da autoridade policial ou da acusação, ao receber o auto de prisão em flagrante, poderá, quando presente os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, converter a prisão em flagrante em preventiva, em cumprimento ao art. 310, II, do mesmo Código, não havendo falar em nulidade” (RHC 120.281/RO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado 05.05.2020).

Tal posicionamento também vem sendo aplicado pela 2ª Câmara Criminal do TJGO, para quem: “a conversão da prisão em flagrante em custódia preventiva pelo Juízo monocrático, independentemente de representação da autoridade policial ou do Ministério Público, encontra respaldo no art. 310, II, do Código de Processo Penal(HC 5364923.50, Rel. Des. Edson Miguel da Silva Jr., julgado 27/08/2020).

Dessa forma, a inovação trazida pela Lei anticrime tem sido analisada mediante dois aspectos: (i) a proibição do juízo em decretar a prisão preventiva de ofício daquele que está em liberdade (CPP, art. 311), e, por outro lado, (ii) a permissão do juízo em converter a prisão flagrancial em prisão preventiva, se for o caso de necessidade, ainda que sem requerimento da autoridade policial ou do Estado-acusador (CPP, art. 310, inc. II).

Não obstante, defendemos que, após a vigência da Lei anticrime, toda e qualquer prisão preventiva decretada de ofício (ainda que na análise do flagrante) deve ser precedida de requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, sob pena de torná-la ilegal.[1]

*Alan Kardec Cabral Jr. é mestrado em Direito e Políticas Públicas pela UFG, especialista em Criminologia, Direito e Processo Penal, professor de Criminologia e Direito Penal. Advogado criminalista no escritório Rogério Leal Advogados, coordenador do instagram @pensandocriminal.

*Rodolpho Mendes é especialista em Criminologia, Direito e Processo Penal. Advogado criminalista no escritório Rogério Leal Advogados, coordenador do instagram @pensandocriminal.

[1] Na doutrina, Renato Brasileiro sustenta que “a qualquer momento da persecução penal, a decretação das medidas cautelares pelo juiz só poderá ocorrer mediante provação” dos legitimados. “Desde que o magistrado seja provocado, é possível a decretação de qualquer medida cautelar, haja vista a fungibilidade que vigora em relação a elas”.