Primeiras impressões sobre a CPR Verde

*Caio Oliveira Freitas

O Brasil criou mais um instrumento jurídico para potencializar a proteção ao meio ambiente no meio rural. Foi publicado em 01/10/2021 o Decreto federal nº 10.828, que regulamenta a emissão da chamada Cédula de Produto Rural Verde – CPR Verde, título de crédito destinado a financiar atividades de reflorestamento e manutenção de vegetação nativa em propriedades rurais.

O tema é novo e merece análise por parte do meio jurídico e do mercado financeiro, em especial dos agentes que atuam com crédito rural. Para facilitar a compreensão da novidade, vamos destacar os principais pontos dessa nova CPR.

1. O QUE É CPR?

A Cédula de Produto Rural – CPR é uma velha conhecida no meio agropecuário. Ela foi criada pela Lei nº 8.929/1994 com a intenção de possibilitar o autofinanciamento dos produtores rurais no investimento de suas safras.

Assim, ao invés de procurar uma instituição financeira e tomar emprestado um crédito, o produtor emite a cédula em favor do credor e promete entregar, no prazo definido pelas partes, uma determinada quantidade de produtos rurais para pagar a dívida. Nada impede, contudo, que os produtores rurais emitam as CPRs em favor dos próprios bancos.

A CPR caiu no gosto dos produtores e passou a ser um dos títulos mais utilizados para o financiamento das cadeias agroindustriais, sendo largamente utilizada especialmente pelo setor de insumos e sementes, que passaram a fornecer para os produtores rurais antecipadamente em troca da entrega de produtos rurais na época de colheita, com preço equivalente ao preço dos insumos fornecidos.

Por exemplo: o produtor precisa de uma quantidade X de sementes de soja para semear sua lavoura. Ele obtém essas sementes da empresa sementeira e, quando da colheita do grão, entrega à empresa uma quantidade de sacas de soja que equivalham à quantidade X de sementes adquiridas, acrescidas de correção monetária e juros, que serão ajustados entre as partes.

Essa modalidade tradicional de CPR, com a entrega do produto em espécie (no nosso exemplo, de sacas de soja), passou a ser chama da de CPR Física. Com a evolução do mercado e a segurança que essa modalidade de transação passou a transmitir, criou-se a CPR Financeira por meio da Lei nº 10.200/01, com a diferença de que o seu pagamento se daria em dinheiro, ao invés da entrega do produto físico ao credor.

A lei da CPR foi alterada recentemente pela Lei nº 13.986/2020, que buscou modernizar a operação com esse título, alternando regras para a emissão e o registro desse documento, desburocratizando o seu uso. Essas alterações serão objeto de artigo próprio, bastando, por ora, que se compreenda de uma forma geral o que é a CPR e de que forma ela é utilizada no mercado de crédito rural.

02. O QUE É A CPR VERDE E NO QUE ELA É DIFERENTE DA CPR TRADICIONAL?

A grande diferença da CPR Verde para a CPR tradicional é que, ao invés de se comprometer a entregar um produto agropecuário (ex: soja, milho, feijão, etc), o produtor rural se obrigará a preservar o meio ambiente em sua propriedade em troca de recursos financeiros.

É o chamado “pagamento pela floresta em pé”, em que o agente que protege vegetação nativa recebe recursos financeiros por isso, embora seja possível a emissão de CPR para a proteção de outros recursos naturais, como recursos hídricos, solo, redução de emissões de carbono, etc.

O texto do decreto é bastante simples e certamente será complementado por normas infralegais, que irão detalhar a forma como a CPR Verde irá se operacionalizar no mercado.

O ponto chave para o sucesso desse novo título será a criação de uma entidade certificadora, que ficará responsável por fiscalizar e atestar a preservação ambiental a qual se obrigou o emitente da CPR. Com uma entidade imparcial fiscalizando o cumprimento do contrato, a emissão e circulação de CPRs Verdes no mercado terá mais segurança jurídica para os envolvidos na operação.

Assim, para ilustrar o funcionamento da CPR Verde, vamos voltar ao exemplo do produtor de soja: a safra desse grão costuma ocorrer entre os meses de outubro e fevereiro, sendo que após a colheita pode ainda ocorrer o plantio de outra cultura, a exemplo do milho, que é apelidado de “milho safrinha”.

No período entressafra, o produtor rural poderá ter essa fonte adicional de renda, mantendo sua propriedade preservada ou até mesmo plantando espécies frutíferas (ex: cacaueiro) para posterior exploração comercial. Ou seja: o produtor emite a CPR e se obriga a manter o cacaueiro em pé, porém o cacau maduro é dele e poderá ser comercializado normalmente no mercado, inclusive com a emissão de uma CPR tradicional.

03. A PRESERVAÇÃO DE ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – APP E DE RESERVA LEGAL PODERÃO SER OBJETO DE EMISSÃO DE CPR?

Isso ainda não está muito claro. Inicialmente foi ventilado que a emissão da CPR Verde seria possível somente para áreas voluntariamente protegidas pelo proprietário, desconsideradas as áreas de Reserva Legal – RL e as Áreas de Preservação Permanente – APP. Isso porque a proteção desses espaços já é obrigatória por força do Código Florestal de 2012.

No entanto, no site oficial do Governo Federal foi mencionada a possibilidade de tais espaços protegidos por lei serem também objeto de CPR Verde, o que ampliará ainda mais o uso desse instrumento financeiro no mercado de crédito.

04. QUEM IRÁ SE BENEFICIAR COM A EMISSÃO DA CPR VERDE?

Espera-se que a CPR Verde seja largamente utilizada por empresas privadas que busquem reduzir suas emissões de carbono, financiando projetos de preservação ambiental em propriedades rurais para garantir o sequestro de gás carbônico da atmosfera. Nesse caso, a CPR Verde funcionará como uma alternativa paralela e similar ao mercado de carbono, que ainda depende de regulamentação no Brasil.

Também há uma expectativa de que entidades sem fins lucrativos de defesa do meio ambiente usem esse mecanismo para garantir a preservação de vegetação nativa em propriedades rurais, cumprindo o seu papel institucional.

O Governo Federal estima que esse novo título irá movimentar cerca de R$ 30 bilhões em 04 anos, pois a demanda por geração de créditos de carbono tende a aumentar bastante nos próximos anos, com a intensificação dos países em combater o aquecimento global, que se encontra em ritmo acelerado. Isso será a pauta central da COP 26, a ser realizada no final do mês em Glasgow, na Escócia.

O que nos resta é acompanhar os próximos passos do governo e dos agentes e ver se a novidade irá cair no gosto do mercado.

*Caio Freitas é advogado, integrante do escritório João Domingos Advogados Associados. Trabalha predominantemente com assessoria para produtores rurais e demais agentes do agronegócio, com foco em Direito Ambiental e Agrário.