Presunção de inocência, in dubio pro “hell” e espetacularização do Direito Penal

*Antonio Celedonio Neto

Seria muito fácil tratar de forma direta e jurídica a PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, posto que, apenas citar o artigo 5º, LIV da Constituição Cidadã, já traria o Norte do que se busca.

Entretanto, em nosso país, poucas vezes, ou quase nunca tal princípio constitucional é respeitado de modo que necessário foi a promulgação da Lei nº. 13.869/2019, que versa sobre o Abuso de Autoridade e que esta por sua vez também não é respeitada e nem se faz cumprir por quem deveria ser o Fiscal da Lei.

O que se opera nos dias atuais, como bem narrado pelos Juristas e doutrinadores Aury Lopes Junior e Alexandre Morais da Rosa em o Direito Penal do Inimigo, onde acharcam os indiciados e execram os denunciados, fazendo com que consume o falecimento moral daquele indivíduo.

A espetacularização do Direito Penal traz para uma sociedade doente um regozijo íntimo, de observar o perecimento de qualquer pessoa que tenha se submetido a uma investigação criminal.

Recentemente, mais precisamente na data de 21 de julho de 2020 na Cidade de Goiânia-GO, houve um crime envolvendo uma criança onde as autoridades direcionadas pelo depoimento do envolvido diretamente no crime, apontou como autor o padrasto da vítima, ficando as investigações conhecidas como ”CASO DANILO”.

Observe-se de forma clara que a referida exposição midiática não se preocupou em ferir não só o princípio constitucional mas também a Lei recentemente promulgada, demonstrando que o verdadeiro valor está em conseguir a aprovação popular, mesmo sem a certeza da culpabilidade do indivíduo.

Após uma prisão totalmente desarrazoada e sem critérios jurídicos válidos, todas as redes sociais, mídias escritas, faladas e televisivas já davam conta de que o acusado (padrasto) realmente era autor de um crime bárbaro, mesmo antes do trânsito em julgado de uma possível sentença, tampouco, esperaram a conclusão do inquérito policial.

Tal alvoroço resultou em na criação de diversos grupos em aplicativos de mensagens instantâneas, onde moradores ou não daquela localidade pediam a morte do Padrasto e assim continuaram mesmo após a Própria Policia Civil em entrevista coletiva, afirmar de forma clara que aquela pessoa em nada tinha colaborado para o crime em tela.

Observe-se que pelo fato de não se observar a PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, o nome e a imagem do inculpado foi exposto em reportagens onde diversas páginas pessoais de notícias davam conta da suposta autoria em relação ao assassinato de seu enteado, impregnando-lhe a pecha de assassino cruel, sendo esta a qual levará sobre os ombros por onde caminhar.

O grande problema é que a partir daquele momento ele passou a ser visto não como um investigado comum, mas sim como um exemplo a ser punido, teríamos um boi de piranha.

Em casos de crimes com repercussão necessário é que seja decretado o sigilo das investigações, não com o intuito de proteger a produção de provas, mais sim com a finalidade de resguardar a imagem de um possível inocente, o que não ocorreu no caso mencionado acima.

Muito embora as mesmas Mídias que imputam uma conduta criminosa, venham se retratar com pedidos de desculpas, estas não o farão de forma contundente e repetidamente como anteriormente quando da notícia primeira.

Em toda investigação deve prevalecer sempre o Direito Penal do Fato e não o Direito Penal do Autor, pois como ocorrido no caso descrito acima, pelo fato do Padrasto já responder outro crime, lhe foi imputada a conduta de ter assassinado seu enteado, acarretando sua prisão cautelar e tendo-lhe sido impedido de estar junto de estar junto com seus familiares e assim sofrer em paz o LUTO sofrido naquele instante.

A sociedade não pode se revestir da máscara da hipocrisia e dizer que esse mal nunca alcançará a sua casa, pedir por justiça com fundamento apenas nos noticiários fantasiosos que funcionam por conta do vil metal, sem se preocupar com as consequências.

Como muito bem narrado por Alexandre Morais da Rosa em seu artigo, in dubio pro hell: o princípio maldito do processo penal[1]:

De outra face, a força da mídia promove, com objetivos comerciais e outros nem tanto, a vivacidade do espetáculo ‘violência’, capaz de instalar a ‘cultura do pânico’, fomentador do discurso da ‘Defesa Social’ e combustível inflamável para aferrolhar o desalento constitutivo do sujeito clivado com a ‘promessa de segurança’, enfim, de realimentar os ‘estereótipos’ do crime criminoso mote dos discursos da ‘Lei e Ordem’…

Nesse sentir é que resta a reflexão, o que deve prevalecer quando estão em lados diametralmente opostos, o Direito ou a Justiça? É lógico que a justiça.

Tal resposta, porém, pode ser contestada por alguns, todavia, necessário é, não que se coloque no lugar do investigado preso indevidamente e humilhado publicamente, mas que coloque na posição dele alguém que você tenha uma intima ligação de afeto e apreço e que nunca mais conviver em sociedade com seus pares.

Portanto necessário que se tenha a reflexão, de que qualquer um da sociedade pode vir a ser investigado de forma indevida e caso assim ocorra, possa se valer do princípio constitucional da presunção de inocência, do indubio pro reo e da não espetacularização, pois em que pese os outros dois sejam indispensáveis, este último traz uma nódoa avassaladora que a internet nunca o deixará em paz.

Não raros os casos em que, mesmo após absolvido das acusações infundadas o indivíduo não consegue retomar sua vida profissional, pois em decorrência exposição indevida e desnecessária vive sobre o manto do julgamento popular fomentado pela não observância dos referidos temas mencionados no Título.

*Antonio Celedonio Neto é advogado e atuou na defesa do padrasto do menino Danilo, que teve a participação no crime descartada ontem (10) pela Polícia Civil.

[1] http://www.justificando.com/2014/07/08/dubio-pro-hell-o-principio-mal-dito-processo-penal/