Pix em duplicidade: culpa de quem?

*Kathiúscia Mariano Silva

Hodiernamente existe uma situação muito comum: o consumidor vai realizar uma transferência bancária via pix pelo aplicativo da instituição financeira e ao fazê-la é notificado que houve um erro. Repete o procedimento uma ou mais vezes para acontecer a transmissão pretendida. Em seguida, confere seu extrato bancário e aparece “pix em análise”. Imediatamente, entra em contato com o banco e relata a situação. Entretanto, no outro dia, ao conferir seu extrato no aplicativo, percebe que ocorreram duas ou mais transferências, ou seja, todos os pix foram realizados. Em contato com a instituição bancária, lhe é informado que nada pode ser feito haja vista que o banco não possui o domínio nessas operações.

Pois bem, existe alguma responsabilidade do banco diante dessa ocorrência? Tecnicamente deve ter ocorrido uma falha de transmissão no sistema, ocasionada por sinal deficiente de internet ou alguma incapacidade na plataforma. No que concerne a isso, juridicamente estamos diante de uma relação de consumo lastreada pelo Código de Defesa do Consumidor, onde o banco possui responsabilidade solidária na ocorrência, visto que intermediou a transação.

A Resolução nº 01, de 12 de agosto de 2020, emanada pelo Banco Central do Brasil, institui o arranjo de pagamentos via Pix e aprova o seu regulamento, anexo à resolução. O artigo 36 do referido Regulamento assim dispõe: “Uma transação no âmbito do Pix é considerada autorizada, para fins de iniciação, quando o participante prestador de serviço de pagamento do usuário pagador, após realizar as devidas verificações de segurança, identifica a existência de saldo suficiente na conta transacional do usuário pagador e bloqueia o valor correspondente à transação para iniciar o processo de liquidação, caso a transação seja liquidada por meio do SPI”.

Diante disso, constata-se que a instituição financeira intermedeia o pagamento, ainda que realizado por via “Pix”. É de conhecimento comum que as operações via “Pix” são por transferência de numerários de forma instantânea, de sorte que, eventual discrepância com essa expectativa, e, ante a falta de informações claras sobre do que se trata, esse estado de estase na operação, ao consumidor, implica em má-prestação do serviço.

A reiteração da operação não pode ser imputada como culpa do próprio usuário, que está no anseio de concluir o pagamento de sua negociação, quando o sistema não funciona como deveria. Conforme observado, considerando ser dever da instituição financeira proceder com a verificação de segurança das operações, ainda mais, quando provocada pelo consumidor, compete ao banco contatar o seu cliente, vez que o próprio consumidor utilizou dos meios que tinha em mãos para contatar a instituição financeira.

Soma-se a isso a falta de observância do dever de informação, necessário ao esclarecimento do consumidor sobre a situação de análise desde a primeira tentativa de transação via “Pix”. Portanto, existe a responsabilidade objetiva do banco, conforme preconiza o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Esse entendimento foi reconhecido no acórdão proferido em sede de apelação cível no bojo dos autos nº 1000430-37.2022.8.26.0624, pela 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Assim, diante dessa ocorrência, o consumidor deverá procurar o banco e relatar o acontecido. Em havendo recusa de ressarcimento deve-se intentar uma ação indenizatória com o pedido do dano moral e também material, haja vista a incidência de má prestação de serviço (falha de segurança) da instituição financeira, com a tese de desvio produtivo do consumidor, ante a tentativa de resolução do seu problema.

*Kathiúscia Mariano Silva é advogada empresarial.