Pandemia: demitir ou ser processado criminalmente?

*Felipe Mello de Almeida e Luiza Pitta

Diante do novo entendimento dos Tribunais Superiores, no sentido de que declarar imposto e não pagar pode, ao menos em tese, caracterizar crime contra a ordem tributária, a expressão “ser empresário no Brasil é muito difícil” se torna ainda mais verdadeira.

O Supremo Tribunal Federal – STF, em 18 de dezembro de 2019, por maioria, firmou posicionamento no sentido de que “o contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço” pratica crime tributário (RHC nº 163.334). O Superior Tribunal de Justiça – STJ, já havia se posicionado sobre a possibilidade da caracterização do ilícito tributário, independentemente da existência de supressão, redução ou fraude na declaração do imposto.

Após esses posicionamentos, na prática, o simples fato de não pagar o tributo no prazo legal já é o suficiente para a propositura da denúncia por crime tributário, bem como para o início do processo contra as pessoas existentes no contrato social da empresa, sem qualquer necessidade de comprovação dos fatos.

No primeiro trimestre deste ano, em razão da pandemia, especialmente em relação aos tributos federais, houve a prorrogação dos prazos para pagamento na tentativa de contribuir com os empresários mais atingidos pela crise mundial instalada. Não é nenhuma novidade que diversas atividades econômicas foram severamente abaladas, algumas permanecem inoperantes, com prejuízos ainda incalculáveis. Na realidade, mesmo os mais pessimistas não poderiam prever que as restrições causadas pela maior crise de saúde da história ultrapassariam o ano de 2020. Ocorre que, as previsões para o retorno de diversas atividades, mesmo com a presença da vacina, são muito desfavoráveis e, com muita sorte, acontecerá somente no o segundo trimestre de 2021.

Os empresários que aderiram aos planos de prorrogação dos impostos se encontram em um cenário ainda pior, tendo em vista acumularem o imposto não pago com o atual, com perspectivas muito desfavoráveis, sobretudo com a aparente retomada das restrições de locomoção da população em razão do vertiginoso crescimento das mortes e internações pela covid-19.

Diante dessas evidentes dificuldades, somadas ao recrudescimento da política criminal, não se tem dúvida de que a grande maioria dos empresários, que atualmente enfrentam monstruosas dificuldades especialmente para não fechar as portas ou para não demitirem seus funcionários, mesmo com a declaração correta dos impostos poderão, futuramente, ser acionados criminalmente, caso não consigam quitá-los em tempo oportuno.

Infelizmente, conclui-se que o processo criminal está sendo usado indevidamente com finalidade arrecadatória, em especial nos crimes contra a ordem econômica. A intenção de cobrança é indiscutível e não pode ser aceita, tampouco festejada. O Judiciário não pode permitir o uso indevido da justiça criminal para tentar coagir o empresário a pagar os tributos, sendo certo que, em tempos de pandemia, esta atitude pode prejudicar, e muito, a economia brasileira.

Felipe Mello de Almeida é advogado criminalista, especialista em Processo Penal, Pós-Graduado em Direito Penal Econômico e Europeu.

Luiza Pitta é advogada, Pós-Graduada em Direito Penal Econômico e associada do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM.