Pai é condenado por abandono afetivo pelo Tribunal do Distrito Federal

 *Kelly Yohana Arraes

O abandono afetivo volta ao debate após decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal baseada em poesias e através da qual o Relator retrata a realidade vivida por muitos brasileiros. A 8ª Turma Cível do TJ/DF manteve a condenação imposta em 1ª instância que condenou um pai ao pagamento de indenização por Danos Morais no valor de R$ 50 mil reais por abandonar afetivamente uma de suas filhas, sendo o voto acompanhado pelos demais Relatores. O recurso interposto pelo genitor em face da sentença, por sua vez, foi improvido pelo voto da maioria.

Entenda o caso. A autora alega ter sofrido abandono afetivo por parte do réu, seu pai. Nascida em 1998 fruto de uma união estável afirma que após seu nascimento os pais deixaram de conviver tendo o réu se mudado para São Paulo, momento em que passou a contribuir apenas financeiramente com a criação dela, e ainda assim somente após ter sido acionado ao pagamento de alimentos por meio de ação judicial.

Em contrapartida defendeu o réu que a parte autora jamais sofreu qualquer dano psicológico e que o motivo do distanciamento se deu pelo fato de a mãe da autora tê-la influenciado a não querer qualquer relação com o pai e o fato da distância geográfica ter sido determinante para o distanciamento.

Condenado em 1ª instância o pai recorreu da sentença, contudo, teve o recurso negado.

A controvérsia da questão para julgamento da causa estava na configuração ou não do Dano Moral, até que ponto, teria o réu se omitido para que fosse possível a inserção do caso  no que preveem os Artigos 186 e 927 do Código Civil, que dispõem que aquele que por omissão voluntária, negligência ou imprudência causar dano a outrem, possui o dever de indenizar.

E, tendo em vista as provas jungidas, a Relatora a qual teve o voto vencido pela maioria entendeu que inobstante ter sido comprovado nos autos que a conduta do réu causou à Autora sentimentos de aflição espiritual e tristeza, restou incomprovado que tal abalo tenha sido suficiente para ensejar o direito indenizatório.

Noutra banda, em trechos da decisão o Desembargador utiliza-se de trechos e músicas e poemas que retratam o abandono afetivo dos filhos “órfãos de pais vivos”. Faz comparação com a perda do pai precocemente – “Quando um pai morre, vítima de um crime, obviamente praticado por terceiro, o filho – nascituro, com pouco tempo de vida ou adulto – tem direito, incontinente, à indenização por danos morais, não ficando a ação suspensa por prejudicial, à espera do resultado do seu desconhecido futuro. O dano moral é in re ipsa porque até os sonhos que temos com quem partiu antes da hora (e sempre há os que partem antes da hora) provam o sofrimento, a angústia e a dor causados pela ausência.”

Aduz que a mesma lógica deve ser imposta aos filhos órfãos de pais vivos, que voluntariamente negligenciam a criação de seus filhos, deixando a responsabilidade por inteiro à genitora ou outros.

Em sábias palavras aduz o Desembargador Diaulas Costa Ribeiro, posteriormente acompanhado pelos demais Desembargadores, que a Ação por abandono afetivo é o grito que surge da dor dos rejeitados “ insultados pelo pai que não tem outra palavra para responder senão ofender a geração inteira e transferir sua culpa pelo desamor à mãe, numa atitude machista e ensaiada por homens incapazes de pôr em dia a conta com os filhos e que optam, voluntariamente, por abandoná-los in natura, como se fossem seres de outras espécies.”

Por fim, o voto esclarece que como não é a função do juiz obrigar o outro a amar e que a condenação não possui esta intenção, não merecia, portanto, nenhum reparo a sentença proferida em primeira instância.

No presente caso, entendeu a decisão que o Dano Moral é presumido, in re ipsa, inexistindo qualquer comprovação da lesão sofrida, considerando ainda, que o dever de cuidado é uma obrigação civil.

O estatuto da Criança e do Adolescente, amparado pela Constituição Federal, regulamenta os direitos e deveres que envolvem as relações familiares, sendo que o abandono afetivo está diretamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana e, seguindo esta premissa, atualmente, todo cidadão possui o direito de reconhecimento da paternidade.

Muitas decisões anteriores foram contrárias ao entendimento expresso na decisão que julgou o presente caso, com o entendimento de que o Judiciário não pode obrigar ninguém a demonstrar afeto, contudo, o que pleiteiam estas demandas não é o afeto, eis que este não se recebe por meio de decisão judicial, não se compra, não se obriga, afeto se recebe de bom grado, nesse caso, de quem possui o dever legal e bíblico de prestá-lo.  Assim, qualquer descumprimento do dever deve ser recepcionado pelo judiciário para apuração de ilícito, sendo este comprovado, remete-se ao dever de indenizar.

*Kelly Yohana Arraes é advogada da Jacó Coelho Advogados Associados