Os municípios e a nova Lei de Licitações

*Ariston Araújo

Este artigo irá abordar a situação dos municípios brasileiros, e em especial dos goianos, perante à nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133, de 01 de abril de 2021), que veio a lume para substituir a quase trintenária Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

No entanto, ainda não se encontra revogada a Lei 8.666, pois a nova legislação, em seu art. 191, permitiu que a Administração optasse, pelo período de dois anos, por licitar ou contratar diretamente de acordo com a nova Lei ou de acordo com a antiga lei, bem como de acordo com a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, que instituiu o pregão no país.

O que se tem visto neste período de oito meses de vigência da nova lei é que poucos órgãos têm optado pela adoção da lei 14.133, com a maioria esmagadora  ainda utilizando a antiga e cansada 8.666, que muitos têm apelidado de “The Walking Dead”. Assim, tem-se cada dia menos tempo para implantação/utilização da nova lei, o que representa um verdadeiro desafio para toda a Administração Pública e, em especial, para os municípios, objeto deste artigo.

Fala-se em desafio porque, de fato, não é uma tarefa muito fácil, sobretudo nos pequenos municípios, onde nem sempre possui uma equipe técnica, composta na sua maioria por servidores efetivos, para desincumbir desta missão. Com efeito, a lei trouxe muitas novidades em relação à 8.666 (veja-se, a propósito, artigo que publiquei no Rota Jurídica onde listo as principais novidades) e, muitas destas inovações, ainda precisam ser regulamentadas. Diz-se que existem 54 dispositivos da 14.133 que carecem de regulamentação. É muita coisa.

No entanto, muitas destas regulamentações são de competência da União (Governo Federal), já que a lei estabelece, em seu art. 1º, caput:

Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Munícipios e abrange:”   (grifei)

Como a lei estabelece as normas gerais, sob o comando do art.   22, inciso XXVII, da Constituição Federal, que diz competir privativamente à União legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, os dispositivos que tratam de normas gerais deverão ser, obviamente, regulamentados pelo Governo Federal e, para os demais, tanto os Estados e Municípios podem baixar regulamentos, de acordo com suas competências e respectivas autonomias.

Feita esta pequena introdução, necessária para contextualizar o leitor, passemos então ao objeto deste artigo.

O primeiro ponto que merece ser abordado diz respeito ao fato que a lei deu um prazo maior para os municípios com menos de 20 mil habitantes (que representam 185 dos 246 dos municípios goianos, ou seja, 75%), para o cumprimento de alguns dispositivos da norma, sendo que para os demais terão, inexoravelmente, o mesmo prazo que todos: 31 de março de 2023. Vejamos o que diz o art. 176, que trata da questão:

“Art. 176. Os Municípios com até 20.000 (vinte mil) habitantes terão o prazo de 6 (seis) anos, contado da data de publicação desta Lei, para cumprimento:

I – dos requisitos estabelecidos no art. 7º e no caput do art. 8º desta Lei;

II – da obrigatoriedade de realização da licitação sob a forma eletrônica a que se refere o § 2º do art. 17 desta Lei;

III – das regras relativas à divulgação em sítio eletrônico oficial.

Parágrafo único. Enquanto não adotarem o PNCP, os Municípios a que se refere o caput deste artigo deverão:

I – publicar, em diário oficial, as informações que esta Lei exige que sejam divulgadas em sítio eletrônico oficial, admitida a publicação de extrato;

II – disponibilizar a versão física dos documentos em suas repartições, vedada a cobrança de qualquer valor, salvo o referente ao fornecimento de edital ou de cópia de documento, que não será superior ao custo de sua reprodução gráfica.”

Ou seja, para os dispositivos citados no art. 176, foi concedido mais quatro anos para que os pequenos municípios possam cumprir a lei. Dizem referidos dispositivos mencionados no art. 176::

“Art. 7º Caberá à autoridade máxima do órgão ou da entidade, ou a quem as normas de organização administrativa indicarem, promover gestão por competências e designar agentes públicos para o desempenho das funções essenciais à execução desta Lei que preencham os seguintes requisitos:

I – sejam, preferencialmente, servidor efetivo ou empregado público dos quadros permanentes da Administração Pública;

II – tenham atribuições relacionadas a licitações e contratos ou possuam formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo criada e mantida pelo poder público; e

III – não sejam cônjuge ou companheiro de licitantes ou contratados habituais da Administração nem tenham com eles vínculo de parentesco, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, ou de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista e civil.

  • 1º A autoridade referida no caputdeste artigo deverá observar o princípio da segregação de funções, vedada a designação do mesmo agente público para atuação simultânea em funções mais suscetíveis a riscos, de modo a reduzir a possibilidade de ocultação de erros e de ocorrência de fraudes na respectiva contratação.
  • 2º O disposto no capute no § 1º deste artigo, inclusive os requisitos estabelecidos, também se aplica aos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno da Administração.

Art. 8º A licitação será conduzida por agente de contratação, pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação.

Art. 17. O processo de licitação observará as seguintes fases, em sequência:

  • 2º As licitações serão realizadas preferencialmente sob a forma eletrônica, admitida a utilização da forma presencial, desde que motivada, devendo a sessão pública ser registrada em ata e gravada em áudio e vídeo.

Art. 87. Para os fins desta Lei, os órgãos e entidades da Administração Pública deverão utilizar o sistema de registro cadastral unificado disponível no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), para efeito de cadastro unificado de licitantes, na forma disposta em regulamento.”

Ganham, portanto, mais tempo, para a implantação da gestão por competência, com a designação de servidor preparado para exercer a competência visando a execução da lei (art. 7º), da nomeação do agente de contratação (art. 8º), realização das licitações por meio de pregão eletrônico (art. 17) e dispensa de utilização do PNCP.

Já no art. 181, que trata das centrais de compras, a lei estabelece um tratamento diferenciado para os municípios com até 10 mil habitantes:

“Art. 181. Os entes federativos instituirão centrais de compras, com o objetivo de realizar compras em grande escala, para atender a diversos órgãos e entidades sob sua competência e atingir as finalidades desta Lei.

Parágrafo único. No caso dos Municípios com até 10.000 (dez mil) habitantes, serão preferencialmente constituídos consórcios públicos para a realização das atividades previstas no caput deste artigo, nos termos da Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005.

Poderão os municípios, juntamente com os Estados e o Distrito Federal, de acordo com o art. 187, aplicar os regulamentos editados pela União para execução da Lei. É uma opção, já que normalmente o Governo Federal edita primeiramente seus atos regulatórios, mas esta faculdade deve ser adotada com muito cuidado, em função de as peculiaridades e realidades municipais serem bastante distintas daquelas da União. Neste sentido, sugere-se que os municípios acompanhem o surgimento dos regulamentos do Governo Federal para, após, editar seus próprios atos, tendo como referência o regulamento federal, mas não os adotando na íntegra.

E, por fim, há que dizer que o presidente da República vetara a obrigatoriedade dos municípios de publicarem extratos de edital de licitação em jornal diário de grande circulação local, até 31 de dezembro de 2023, como forma de divulgação complementar de suas contratações (além das demais publicações obrigatórias, inclusive no Diário Oficial), porém tal veto foi derrubado pelo Congresso Nacional e, desta forma, tal dispositivo continua em vigor.

Como conclusão, pode-se dizer que os municípios terão que fazer um grande esforço para adaptar suas contratações aos ditames da Lei 14.133/21 e, portanto, devem iniciar de imediato este trabalho. Minha sugestão final é que comecem a utilizar a lei, primeiramente pelos processos mais simples e de menor valor para irem, progressivamente, aumentando a dose, de maneira a não deixar para o último prazo, em 31.03.23. Para isto, penso que devem investir neste momento em qualificação de seu pessoal, preparando-o para imenso desafio que se descortina no horizonte.

*Ariston Araújo é advogado especializado em licitações e contratações públicas