O STF e o financiamento de campanha

Os quatro votos dos ministros do STF a favor da declaração de inconstitucionalidade do financiamento de campanha por empresas, proposta em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) pela OAB, desencadeou uma forte reação dos setores conservadores e da grande mídia. Surgiram vários argumentos contra.   Aquele que considera que se trata de uma manobra da OAB e do PT para este se manter no poder e o que alega que essa matéria é de competência do Congresso.  Mas não há nenhum argumento defendendo a constitucionalidade desta forma de financiamento. E é da inconstitucionalidade que trata a ADI da OAB e não de Reforma Política. É, portanto, matéria de competência do STF.

A OAB fundamentou sua proposição no argumento de que a Constituição brasileira estabelece em seu artigo 1° que o “poder emana do povo”. Não sendo povo a empresa não pode financiar o processo político porque isto conduz a uma disputa altamente desigual entre os que têm muitos recursos os que não têm. Tal fato adultera a vontade da maioria do povo, o exercício da soberania popular.

A influência do financiamento de empresas nas eleições acarreta profunda desigualdade na disputa eleitoral. Ganha as eleições, no geral, quem tem mais dinheiro. A influência do dinheiro no processo eleitoral fica evidenciada diante do fato de que o aumento brutal dos custos de campanha é acompanhado de igual crescimento do financiamento por empresas.

O financiamento de campanhas cresceu assustadoramente de 827 milhões em 2002 para 4 bilhões e 900 milhões em 2010. E o financiamento por empresas que em 2008 representou 86% do financiamento total das campanhas, em 2012 representou 95,10%. Isto porque a legislação atual permite que empresas contribuam com 2% dos seus rendimentos brutos no ano anterior à eleição. Assim o Grupo Odebrecht poderia contribuir com 1 bilhão e 688 milhões em 2013 já que obteve rendimentos brutos de R$ 84.431 bi em 2012.
   
A OAB questionou, também, a desigualdade na disputa eleitoral produzida pelo financiamento de pessoas físicas pois a lei permite doações de  10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao da eleição. Assim o banqueiro Jorge Lemann que em 2013 teve um rendimento de C$ 13 bilhões e 336 milhões poderá contribuir com R$ 1 um bilhão e 336 milhões, gerando uma profunda desigualdade na disputa eleitoral.
   
O financiamento de empresas resulta em que a maioria da sociedade, composta de trabalhadores e classe média, é transformada em minoria no Congresso.  Tal fato é uma evidente subversão da democracia e do conceito de que a poder emana do povo.

A proibição do financiamento de empresas não é uma criação da OAB e dos movimentos sociais. Existem em mais de 36 países, tais como o Canadá, México, Bélgica, Grécia, Israel, França e diversos outros paises.

As críticas de que esta iniciativa tem por objetivo a manutenção do PT no poder é isenta de seriedade, é pura demagogia para confundir a opinião pública.
 
A iniciativa da Ação Direta de Inconstitucionalidade é da OAB. Ela e mais 60 outras entidades sociais se uniram da Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas em torno de um Projeto de Lei que tramita da Câmara dos Deputados. Compõem a Coalizão a OAB, CNBB, Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), a Plataforma pela Reforma Política dos Movimentos Sociais, a UNE, CUT, CTB, UBES, a União de Vereadores do Brasil (UVB), a Federação de Jornalistas (FENAJ), o CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs), além de outras 50 entidades das mais representativas da sociedade brasileira.

O projeto da Coalizão proíbe o financiamento de campanha por empresas. Propõe o Financiamento Democrático de Campanha, as eleições proporcionais em dois turnos, a paridade de gênero nas listas partidárias e o fortalecimento de mecanismos da democracia direta tais como o plebiscito, referendo e projeto de iniciativa popular.

O Financiamento Democrático inclui o financiamento público e o financiamento de pessoas física limitado a R$ 700,00, não podendo esta contribuição ultrapassar 40% da contribuição pública. A eleição proporcional em dois turnos fortalece os partidos políticos e a política feita em torno de idéias, mas reserva aos eleitores, no segundo turno, a última palavra na escolha dos candidatos. Esta alternativa reduz bastante o custo das campanhas e permite uma maior fiscalização do processo eleitoral.

O fato é que a tendência do STF em aprovar a inconstitucionalidade do financiamento de empresas coloca a Reforma Política no centro dos debates do próximo ano e durante as eleições. Abre assim o caminho para transformar o projeto da Coalizão no grande escoadouro da sociedade brasileira em torno de uma Reforma Política Democrática.

*Aldo Arantes é secretário da Comissão Especial da OAB para Reforma Política