O reconhecimento da Covid-19 como acidente ou doença do trabalho e a presunção da existência do nexo causal

*Marcel Zangiácomo

Recentemente o TRT-3 (Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região), que abrange o Estado de Minas Gerais, reconheceu como acidente de trabalho a morte por Covid-19 de um motorista de caminhão, condenando sua empregadora à indenização por dano moral no valor de R$ 200 mil, além do pagamento de pensão para sua filha até a idade completa de 24 anos.

Na decisão, o juiz da Vara do Trabalho de Três Corações (MG), entendeu que o caso é enquadrado como acidente de trabalho porque a morte ocorreu após o profissional se contaminar durante as atividades da função para qual havia sido contratado.

Para o juiz, a empresa não conseguiu comprovar que a doença foi contraída em outro local, que não o de trabalho. Em sua decisão, ainda, o juiz utilizou posicionamento do Supremo Tribunal Federal ao julgar a medida provisória 927/2020 que decidiu derrubar o artigo 29 da medida. Nele, afirma-se que os casos de contaminação por coronavírus não seriam considerados ocupacionais, ou seja, equiparado a acidente de trabalho, “exceto mediante comprovação de nexo causal”.

Além disso, o magistrado utilizou a teoria da responsabilização objetiva, que é quando o responsável assume o risco por eventuais complicações que o trabalhador venha a sofrer, independentemente de culpa, já que, neste caso, colocou o funcionário em viagem em plena pandemia.

Pois bem, um ponto importante merece ser destacado em referida condenação, e creio ser este o mais importante, que é a confirmação do nexo causal, ou seja, o vínculo fático que liga o efeito à causa, sendo a comprovação de que houve dano efetivo, motivado por ação voluntária, negligência, imperícia ou imprudência daquele que causou o dano.

Este é o requisito essencial à responsabilização civil para que se possa atribuir o dever de indenizar a alguém. Portanto, é de extrema importância a decretação do nexo de causalidade de forma absolutamente concreta e jamais presumida.

E está aí, a meu ver, o maior questionamento na decisão, já que houve uma presunção do nexo causal, sendo apenas considerado o interregno das atividades exercidas e o início dos sintomas da doença.

Ora, é sabido que a Covid-19 se trata de uma ameaça biológica que está por toda a parte e não exclusivamente no ambiente de trabalho, sendo quase impossível se confirmar o local de contaminação, com algumas exceções, por exemplo dos profissionais de saúde ou de outros profissionais que estejam diretamente à frente no combate à pandemia.

Como ressaltado, o nexo causal é de dificílima caracterização nos casos de contaminação pela Covid-19, ainda mais quando não resulta das condições especiais em que o trabalho é executado ou com ele se relacione diretamente, até mesmo pelo fato de as empresas não terem o controle sobre a vida dos empregados fora do seu ambiente laboral.

O nexo causal presumido somente poderia ser reconhecido quando e se estivesse relacionado ao NTEP — Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (que vem a ser uma relação estatístico-epidemiológica fundada em estudos da Previdência Social, que relacionam determinados CID (Código Internacional de Doenças) ao ramo de atividade da empresa (CNAE-fiscal), o que não é o caso, já que a Portaria MS/GM 2.309/2020 tornou sem efeito a Portaria GM/MS 2.345/2020 que havia anteriormente incluído a Covid-19 como doença relacionada ao trabalho.

Ainda, cumpre ressaltar também que não há de se falar na aplicabilidade imediata do art. 927, § único, do Código Civil, no tocante à presunção do nexo causal e à responsabilidade objetiva da empresa, já que esta apenas dispensa a prova de culpa lato sensu do empregador, continuando sendo necessária a comprovação do nexo causal entre a conduta e o dano perpetrado.

Conclui-se, portanto, que o nexo causal com relação à Covid-19, será, na maioria das vezes, presumido pelo julgador, ante a impossibilidade assertiva do local de contaminação biológica, o que atrairia óbice técnico jurídico para a responsabilização civil, já que para condenar na obrigação de indenizar não há a possibilidade de presunção, mas sim a necessidade da prova absoluta, sob pena de o juiz agir de forma imparcial e em desconformidade com a legislação vigente.

*Marcel Zangiácomo é advogado, sócio de Galvão Villani, Navarro e Zangiácomo Advogados, especializado em Direito Processual e Material do Trabalho.