O que mudou nas estratégias de apuração de assédio após a pandemia?

*Iuri Camilo e Vanessa Watanabe

Abril de 2021 – Após o início da pandemia, as apurações de assédio passaram a vivenciar um novo cenário. Mas, o que queremos dizer com isso? A estratégia de apuração mudou? As condutas mudaram? Ou foi somente o ambiente que mudou?

Para quem lida com o recebimento e o tratamento de denúncias, foi perceptível que, a partir de março de 2020, logo após o início da pandemia e, consequentemente, a adoção do home office, foi possível identificar que as solicitações das empresas para o apoio na gestão dos casos de assédio moral e sexual aumentaram em, aproximadamente, 30%.

Ou seja, relatos correspondentes à utilização do poder ou influência a uma pessoa ou um grupo, destacando-se como principais posturas as agressões verbais, recusa de comunicação e exclusão, que configuram em assédio moral, assim como o assédio sexual, não deixaram de ocorrer e se intensificaram.

Deste modo, a tratativa e a investigação adequada destes casos se tornou ainda mais relevante, visto que além de preservar a manutenção de um ambiente de trabalho adequado, respeitoso e sustentável, as empresas também necessitam antecipar os riscos jurídicos e de imagem que uma omissão pode trazer para os seus negócios.

Após o início da pandemia, os reportes dos casos de assédio passaram a vincular a três fatores: abalo emocional de colaboradores em decorrência da inexperiência no trabalho remoto, inexistência de mecanismos de controle em face ao novo ambiente de distanciamento e a conscientização e empoderamento, principalmente das mulheres, para denunciar os casos. Tais fatores foram recorrentes nos relatos coletados nas entrevistas especializadas.

O cenário demonstrou insegurança acerca da manutenção dos empregos, pois a incerteza impulsionou novas pressões por metas, prazos e resultados, bem como, as reuniões intercaladas com as aulas on-line das crianças, preparação do almoço e cônjuges trabalhando praticamente no mesmo cômodo. Tais aspectos interferiram e interferem nas relações interpessoais, aumentando o stress dos profissionais, além de fomentar reações mais agressivas diante das pressões do dia a dia.

Em paralelo, as interações ganharam uma nova roupagem e muitas vezes são realizadas por mensagens instantâneas, áudios e vídeos. As relações tornaram-se mais distantes, visto a ausência de contatos pessoais, mas ao mesmo tempo proporcionaram a composição de provas e documentos que registram condutas inadequadas, que anteriormente eram majoritariamente realizadas de forma presencial.

Neste âmbito digital, as condutas mudaram. A marcação do “@fulano de tal” no grupo de mensagem instantânea já foi encarada como exposição indevida. Do mesmo modo, gifs ou imagens enviadas durante uma apresentação de resultados de equipes, por exemplo, foram caracterizadas como ofensivas a questões de gênero e raça. Mesmo com o distanciamento, os comportamentos podem configurar assédios moral ou sexual se existir direcionamento e repetitividade ou gestão por injuria, que acontece de forma aleatória pela pressão da empresa aos gestores ou por imposição própria.

As entrevistas especializadas, que até fevereiro de 2020 eram realizadas de forma presencial com denunciantes – se fossem conhecidos, testemunhas e denunciados, agora são realizadas “dentro de casa” por meio de vídeo conferência, preservando ainda mais a confidencialidade da apuração. Além disso, o home office possibilitou que os entrevistados abordassem as situações vivenciadas de maneira aberta e sem amarras, pois estão em um ambiente aparentemente mais acolhedor e seguro. O simples não comparecimento dos investigadores na empresa já foi um resultado positivo diante de alguns temas delicados.

Os exemplos descritos são apenas uma degustação de casos reais tratados no ambiente virtual, cujo modelo apresentou aos investigadores corporativos novas condutas que até então não se refletiam em uma denúncia de assédio. Não se tratou apenas de entender a mudança de comportamento do denunciado, como também do denunciante, pois se a conduta e o ambiente mudaram, a percepção e as aflições tiveram o mesmo impacto.

O ambiente virtual inovou no sentido de facilitar a captura de evidências, pois muitas reuniões são gravadas com autorização dos participantes, possibilitando acesso a diálogos escritos, imagens, vídeos compartilhados e gifs inseridos em chats ou caixa de mensagens instantâneas, que podem ser facilmente printadas para futura análise na coleta de informações.

Portanto, embora existam novos elementos e situações que foram agregados à gestão dos casos de assédio durante a pandemia, é preciso estar preparado para tratar os casos nestes cenários, auxiliando as empresas, de forma técnica e independente, e aplicando com segurança as medidas cabíveis para garantir cada vez mais a confiabilidade do processo de apuração e investigação.

*Iuri Camilo de Andrade e Vanessa Watanabe são especialistas em forense e investigação empresarial da ICTS Protiviti, empresa especializada em soluções para gestão de riscos, compliance, auditoria interna, investigação, proteção e privacidade de dados.