O princípio da não surpresa aplicado aos processos disciplinares da OAB

Sued Araújo Lima*

De acordo com o princípio da não surpresa, é imprescindível que as decisões tomadas sejam fundamentadas tão somente com base em argumentos que foram previamente submetidos ao contraditório.

Referido princípio possui previsão expressa nos artigos 9º, caput e 10 do Código de Processo Civil:

Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

Ademais, em processos que tramitam perante o sistema da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), possui previsão no art. 144-B do Regulamento Geral:

Art. 144-B. Não se pode decidir, em grau algum de julgamento, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar anteriormente, ainda que se trate de matéria sobre a qual se deva decidir de ofício, salvo quanto às medidas de urgência previstas no Estatuto.

Portanto, essa salvaguarda visa garantir a ampla defesa e o contraditório, fundamentais para a legitimidade e transparência em julgamentos de processos que tramitam perante o sistema OAB.

Aplicabilidade em processos disciplinares da OAB

Sobretudo em relação aos processos disciplinares, no cenário em que as infrações podem ter sérias consequências, a observância desse princípio é essencial para a proteção dos direitos dos advogados e a manutenção da integridade do sistema OAB.

A título de exemplo de aplicação do referido princípio, na fase de julgamento das representações ético-disciplinares, em que é proferida a decisão final do Tribunal de Ética e Disciplina, o Relator não pode simplesmente atribuir nova infração ética sem que antes oportunize o contraditório por parte do advogado Representado.

Desse modo, caso seja atribuída nova infração ao advogado representado, deverá ao menos ser aberto novo prazo para que este possa se manifestar em relação às novas alegações a ele imputadas.

Inclusive, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em determinada representação ética-disciplinar, entendeu pela nulidade do acórdão que imputou nova infração sem antes oportunizar o exercício do contraditório e ampla defesa:

RECURSO N. 49.0000.2019.005922-8/OEP. Recorrente: W. R. S (advogado: Marcel Dimitrow Gracia Pereira, OAB/PR 27001). Recorrido: Agostinho Maliski. Interessado: Conselho Seccional da OAB/Paraná. Relator: Conselheiro Federal André Luiz Cavalcanti Cabral (PB). Ementa n. 120/2023/OEP. Recurso ao Órgão Especial do Conselho Pleno do Conselho Federal da OAB. Artigo 85, inciso II, do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB. Alegação de violação ao artigo 144-B do Regulamento Geral. Princípio da correlação entre a acusação e a sentença, ou princípio da não-surpresa. Condenação por infração disciplinar sobre a qual não foi oportunizado ao advogado exercer o contraditório e a ampla defesa. Condenação pela infração disciplinar de angariação de causas somente quando do julgamento pelo Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/Paraná. Nulidade do julgamento. […] (Brasília, 18 de abril de 2023. Rafael de Assis Horn, Presidente. André Luiz Cavalcanti Cabral, Relator. (DEOAB, a. 5, n. 1187, 14.09.2023, p. 2).

Sendo assim, em processos disciplinares que tramitam pela OAB, qualquer decisão tomada sem que seja oportunizada a manifestação das partes incorre em violação ao princípio da não surpresa.

Nesse contexto, como visto no precedente do próprio Conselho Federal, a decisão, monocrática ou colegiada, deverá ser cassada.

Conclusão

Por conseguinte, o princípio da não surpresa é fundamental para a legitimidade e a transparência dos processos disciplinares da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Ao garantir que todas as partes sejam previamente ouvidas e tenham a oportunidade de se manifestar sobre os fundamentos que podem impactar suas condenações, esse princípio assegura a ampla defesa e o contraditório, previstos no art. 5º, LV da Constituição Federal.
A observância rigorosa desse princípio é não apenas uma exigência legal, mas um imperativo moral para a proteção dos direitos dos advogados e a integridade do sistema OAB.

Casos recentes, como o decidido pelo Conselho Federal, evidenciam a necessidade de se respeitar esse direito, invalidando decisões que desconsideram a manifestação das partes em momento prévio.

Portanto, a aplicação do princípio da não surpresa deve ser um compromisso constante na administração da justiça, garantindo que todos os advogados possam defender seus interesses de maneira eficaz.

*Sued Araújo Lima é graduado em Direito pela PUC/GO, sócio do escritório Merola & Ribas Advogados, Especialista em Direito Público pelo Instituto Goiano de Direito. Foi Assessor da Presidência do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/GO.