O artigo 29-A da Constituição Federal e a autonomia do Legislativo Municipal na era da Emenda 109/2021

Kowalsky do Carmo Costa Ribeiro*

O funcionamento eficaz e digno do Poder Legislativo Municipal é pilar fundamental de qualquer democracia. Ao lado das funções de legislar e fiscalizar, cumpre ao parlamento local representar as demandas populares com independência e responsabilidade. Esse compromisso exige, antes de tudo, estabilidade institucional — que só se viabiliza por meio da observância rigorosa da Constituição Federal e das normas que asseguram a autonomia do Poder Legislativo.

Nesse contexto, a Emenda Constitucional nº 109/2021 trouxe uma alteração sensível à redação do artigo 29-A da Carta Magna, que impacta diretamente a gestão financeira das Câmaras Municipais em todo o país. O dispositivo, que antes excluía do limite de despesa os valores relacionados a inativos, passou a incluí-los expressamente, inaugurando uma nova etapa na responsabilidade fiscal do Legislativo Municipal.

A partir de 1º de janeiro de 2025, com o início da primeira legislatura após a promulgação da emenda, os gastos com pessoal inativo e pensionistas passaram a integrar o limite constitucional de despesas da Câmara. Tal alteração tem por finalidade oferecer maior transparência e rigor na mensuração da real estrutura de custos do Poder Legislativo, contribuindo para o aperfeiçoamento da gestão pública local.

A medida, embora legítima e coerente com os princípios da responsabilidade fiscal, exige cuidados importantes de interpretação e aplicação. Como bem destaca o Parecer nº 514/2025, da Procuradoria-Geral da Câmara Municipal de Goiânia, é imprescindível que os órgãos legislativos municipais promovam planejamento orçamentário consistente e dialoguem com os órgãos de controle, a fim de garantir a correta contabilização dos encargos e o cumprimento das metas legais, sem prejuízo à autonomia que lhes é assegurada.

A esse respeito, o artigo 168 da Constituição Federal é claro ao determinar que os recursos correspondentes às dotações orçamentárias dos Poderes devem ser entregues, em duodécimos, até o dia 20 de cada mês. Essa regra não é apenas um instrumento contábil: ela é uma garantia institucional do equilíbrio e da independência entre os Poderes locais. Qualquer alteração na forma de repasse deve estar amparada por acordo formal, sempre dentro dos limites constitucionais e legais.

Importa dizer que o novo regime fiscal instituído pela EC 109/2021 não autoriza deduções unilaterais ou medidas que fragilizem a autonomia do Legislativo. A adaptação aos novos limites é responsabilidade do próprio Poder Legislativo, que deve realizá-la com base em dados previdenciários sólidos, em diálogo com os tribunais de contas e com o devido suporte técnico da administração financeira pública.

Como afirma o Parecer 514/2025, é recomendável que as Câmaras Municipais estabeleçam protocolo de cooperação institucional com os órgãos de controle externo, como os Tribunais de Contas, bem como solicitem orientações técnicas à Secretaria do Tesouro Nacional, diante da ausência de normatização específica nos manuais fiscais.

Neste cenário de exigências crescentes e responsabilidades técnicas, vale lembrar as palavras de Ulysses Guimarães, que assim definiu o espírito da função parlamentar:

“O Parlamento é o altar da democracia. Sem ele, o povo não tem voz. A sociedade não tem vez. E a República não tem vez.”

A observância rigorosa do artigo 29-A, agora reformulado, é mais do que um dever administrativo: é uma expressão do zelo institucional com a própria existência do Parlamento municipal. É nele que se escutam os bairros, as ruas, as associações, os conselhos, os anseios mais imediatos e legítimos da vida urbana. Qualquer medida que comprometa sua operacionalidade, mesmo que em nome da boa-fé fiscal, deve ser submetida a criterioso exame jurídico e institucional.

E, como nos ensina Rui Barbosa, cuja defesa do Direito sempre esteve ligada à dignidade do Parlamento:

“A pior ditadura é a do Poder Legislativo, quando se submete ao arbítrio de outros Poderes, ou se omite diante da sua função.”

Diante disso, reforça-se a importância do estudo técnico e jurídico de cada modificação legal que afete o funcionamento do Legislativo. O equilíbrio entre responsabilidade fiscal e autonomia constitucional não é apenas desejável — é condição para que os parlamentos locais cumpram sua missão histórica: legislar com liberdade, fiscalizar com coragem e representar com lealdade os interesses do povo.

*Kowalsky do Carmo Costa Ribeiro é advogado e conselheiro seccional da OAB/GO.