Nova interpretação do STF sobre foro por prerrogativa de função

Pedro Paulo de Medeiros*

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu recentemente ampliar o alcance do foro por prerrogativa de função, estabelecendo que ele continua válido mesmo após o término do mandato, desde que os fatos investigados tenham relação com o exercício do cargo. A decisão reacende o debate sobre esse mecanismo de proteção institucional, que é frequentemente chamado de foro privilegiado no discurso público e na mídia. No entanto, essa expressão carrega um juízo de valor implícito, sugerindo que se trata de um benefício indevido, quando na verdade a prerrogativa visa proteger o próprio cargo e o exercício da função pública.

A manutenção do foro por prerrogativa de função para ex-ocupantes do cargo tem repercussões diretas no funcionamento do sistema judicial. De um lado, evita que políticos utilizem estratégias como a renúncia ou a não reeleição para deslocar processos para instâncias inferiores, onde podem enfrentar tramitações mais longas ou até prescrições. De outro, há o desafio de evitar que essa interpretação se torne uma proteção excessiva, dificultando a responsabilização de agentes públicos.

Um aspecto jurídico relevante nesse contexto é o caso do Estado de Goiás, que possui uma previsão expressa em sua Constituição exigindo autorização prévia do Poder Judiciário para a instauração de investigações criminais; federais ou estaduais, comuns ou eleitorais, contra pessoas que detenham foro por prerrogativa de função. O STF já se manifestou no sentido de que essa exigência é constitucional e deve ser respeitada. Agora, com a nova interpretação, essa regra também passa a alcançar ex-detentores do foro, ou seja, mesmo aqueles que já deixaram o cargo continuarão sob essa proteção jurídica, exigindo a mesma autorização judicial para que possam ser investigados.

A soma desses dois fatores — a manutenção do foro mesmo após o término do mandato e a necessidade de autorização prévia para investigações em Goiás — reforça um cenário em que se busca equilibrar a proteção institucional das funções públicas com a necessidade de responsabilização dos agentes políticos. Isso, no entanto, impõe novos desafios para a celeridade e eficiência da Justiça. O STF já lida com um volume expressivo de processos. A ampliação da abrangência do foro por prerrogativa de função pode aumentar ainda mais essa carga.

O debate sobre essa prerrogativa não é meramente técnico, mas envolve a percepção da sociedade sobre a Justiça e a política. O foro por prerrogativa de função não deve ser visto como um privilégio pessoal, mas sim como um mecanismo que visa a assegurar que agentes públicos sejam julgados por tribunais competentes, protegendo o cargo contra perseguições indevidas. No entanto, sua aplicação deve ser equilibrada para garantir que o princípio republicano da igualdade perante a lei seja preservado.

O desafio, daqui para frente, será encontrar esse ponto de equilíbrio: garantir que a prerrogativa cumpra sua função de proteger o cargo, sem que isso represente um obstáculo ao combate à impunidade. O papel do Supremo, do Ministério Público e das demais instituições jurídicas será fundamental para consolidar esse entendimento de forma justa e eficaz.

*Pedro Paulo de Medeiros é advogado criminal e conselheiro federal da OAB.