Narcocídio

Edemundo Dias de Oliveira Filho*

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado aprovou, em 21 de maio de 2025, o Projeto de Lei (PL) 3.786/2021, que cria o crime de “narcocídio” — homicídio ou lesão corporal ligados ao tráfico de drogas, em face de litígios e disputas por território ou cobrança de dívidas. O texto prevê penas de até 30 anos de reclusão, e classifica o narcocídio como crime hediondo, restringindo benefícios como liberdade provisória, entre outros. A proposta, que altera as Leis de Drogas e dos Crimes Hediondos, segue, agora, para a Câmara dos Deputados.

Bem sabemos a força das Facções e Organizações Criminosas no Brasil e no mundo, e que tal fenômeno criminoso cada vez mais exige dos poderes constituídos novas estratégias, tecnologia de ponta, preparo acadêmico-científico, logística de inteligência, intercâmbio nacional e internacional e, é claro, um eficaz e dinâmico arcabouço jurídico que dê o respaldo necessário às instituições e poderes coercitivos do Estado, com fim de enfrentar essas potestades, pelo menos com paridade de armas.

No caso em comento, esse projeto visa combater a violência, direta ou indireta, associada ao tráfico, que, segundo cálculos bem abalizados, envolve cerca de 72 grupos criminosos no Brasil, com faturamento estimado em cerca de R$ 430 bilhões anuais. Isso sem falar que tais empresas-crime transitam entre o legal e o ilegal, no que chamamos de Poder Paralelo/Transversal, hoje amplificado em vários ramos comerciais e industriais empoderados, sob o fosco manto de uma aparente licitude, atuando nas esferas da iniciativa privada, mas, notadamente, do poder político (agremiações partidárias e mandatos eleitorais, concessões e licitações nos serviços e obras públicos…); características tais que a ciência penal denomina de “Narcoestado”.

Contudo, o Projeto de Lei, como proposto, vem carregado de muitas redundâncias, possíveis violações constitucionais e risco de ineficácia, pendurado nas vastas estantes da inércia. Haja vista que o Código Penal já contempla crimes como homicídio qualificado, com penas semelhantes, e a criação de um novo tipo penal, como mais uma “legislação de crise”, pode gerar insegurança jurídica sem atacar as raízes da violência do tráfico, como a falta de políticas públicas e a superlotação carcerária.

Assim, a novel tipificação penal parece ser mais um endurecimento simbólico do que uma solução prática, especialmente em um sistema judiciário altamente sobrecarregado. Além disso, a proposta de abrandar penas para “mulas” – transportadores de pequenas quantidades de drogas com bons antecedentes – pode parecer contrastar com o rigor punitivo, revelando a complexidade de se legislar sobre um tema tão complexo, embora, seja de bom alvitre essa flexibilização. Pois, a maioria dessas alcunhadas “mulas”, são, na verdade, vítimas coagidas pela violência própria de tais organizações.

Diante do exposto, resta a pergunta: o Congresso Nacional buscará equilibrar o clamor por segurança com os princípios constitucionais de proporcionalidade e eficiência, ou o projeto será apenas “mais do mesmo” que privilegia apenas a repressão, em detrimento da prevenção, vista de forma excludente, além de não completar as ações de políticas públicas multifuncionais, integrais e integradas?

*Edemundo Dias de Oliveira Filho é advogado. Delegado de Polícia Veterano. Especialista em Segurança Pública (PUC-Goiás) e Políticas Públicas (UFG). Mestre em Direito Público (Unex/Espanha).