Mudança na cultura do encarceramento: Estado tem de dar condições

O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski,  quer mudanças no Código de Processo Penal (CPP) para melhorar o sistema carcerário nacional. A proposta foi consolidada a partir de uma reunião, que teve a participação do ministro, como presidente em exercício do Supremo Tribunal Federal, com o ministro da Justiça e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, além da presença de membros do Conselho Nacional do Ministério Público e do Conselho Nacional de Justiça.

O texto altera o artigo 310 do CPP, prevendo que o juiz, ao se deparar com um auto de prisão em flagrante ou com um pedido de prisão preventiva, deverá primeiramente fundamentar o porquê de não aplicar ao caso as medidas cautelares previstas no artigo 319, como o uso de tornozeleira eletrônica, a prisão domiciliar, a suspensão de direitos ou a restrição de locomoção, dentre outras.

Lewandowski disse que a proposta tem como objetivo mudar o que ele chamou de “cultura do encarceramento” que existe no País. Segundo ele, qualquer pessoa detida, nos dias de hoje, fica presa por meses ou anos, sem maiores indagações, e sem que haja um exame mais apurado da sua situação concreta, explicou.

“Trata-se de uma proposta inteligente que irá diminuir o drama carcerário brasileiro”, argumentou o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinicius Furtado Coêlho.

Cerca de 40% dos mais de 500 mil presos, no Brasil, são presos provisórios. Diz o Ministro: “Isso, obviamente, contribui para a superlotação dos presídios”, disse o presidente em exercício do STF, que lembrou que existem outras propostas, não só legislativas como também administrativas, que deverão ser encaminhadas por um grupo de trabalho criado a partir da reunião da última quarta-feira (29), “para, a médio prazo, podermos enfrentar com eficácia esse problema gritante que é o problema da superpopulação carcerária”.

O ministro da Justiça disse que, inicialmente, concorda com o “espírito” do projeto apresentado pelo chefe em exercício do Poder Judiciário. Embora o Congresso Nacional tenha aprovado uma lei dando alternativas ao magistrado (a alteração no artigo 319 do CPP) de aplicar medidas cautelares, “deixando a prisão como uma medida mais extrema – que deve ser aplicada, quando se configura necessária –, a prática judicial tem feito com que o caminho da prisão seja feito sem uma análise da possibilidade da aplicação de outras medidas cautelares”, afirmou.

Cardozo lembrou que a criação de um grupo de trabalho para tratar da questão de superpopulação carcerária, como discutido na reunião, é algo que nunca se fez no Brasil, e que permitirá, pela primeira vez, enfrentar o tema como uma questão de Estado

Sou de acordo com a proposta do Ministro, entretanto, a minha concordância se prende ao fato do Estado (poder público) dar as devidas condições ao cumprimento das medidas. Não adianta o juiz determinar o uso de tornozeleiras se elas não existem; não faz sentido o magistrado determinar a prisão domiciliar se o preso não vai cumpri-la e não haja rigorosa fiscalização no cumprimento; não surte efeitos estabelecer suspensão de direitos se não houver efetividade no cumprimento; cai no inócuo restringir a locomoção se o sujeito perambula para todos os lados sem regras e sem fiscalização. A “cultura do encarceramento”, em algumas situações, tem de mudar, mas não adianta arrumar paliativos como desculpa e faz de conta num garantismo exagerado. Por outro lado, a questão da superlotação dos presídios não é problema do Poder Judiciário. Cabe ao Executivo gerir e dele deve ser exigido. Sou contra arrumar desculpas de excesso de encarceramento com pregação de garantismo falso e exagerado.

*Jesseir coelho de Alcântara é juiz e professor.