Medida certa: a sutil diferença entre remédio e veneno

*Matheus Costa

No livro, “Assim falou Zaratustra”, o inigualável Nietzsche, por meio das andanças e ensinamentos do protagonista Zaratustra, narra vigorosamente: “O Estado é o mais frio de todos os monstros. Ele mente friamente; de sua boca sai esta mentira: Eu, o Estado, sou o povo.” Seria isto um prelúdio dos tempos modernos?

De fato, mutatis mutandi, o Estado dá as respostas aos anseios do povo, ou melhor dizendo, para que não se confunda, faz valer as vontades daquele conjunto de pessoas que vivem em comunidade. E não é de agora. A história há muito tempo conta como o “Estado” utiliza-se de uma engrenagem punitiva para “dar respostas”, mas isto é para outro momento.

Voltando ao tema, a legislação brasileira de modo geral possui vastos ordenamentos que regem a esta natureza sancionatória e punitiva. A bem da verdade, estas situações transcendem as leis costumeiras (Código de Processo Penal, Consolidação das Leis Trabalhistas, Procedimento Administrativos, Procedimentos Administrativos Disciplinares (PAD’s) em todos os níveis da federação, Regimentos Internos de Empresas Privadas e Públicas, entre outros) e perpassam, inclusive, para as entidades de classe, através de seus Códigos Conduta/Éticos, como por exemplo o da OAB, Odontologia, Medicina, Enfermagem, Psicologia, Nutrição ou qualquer outros que tenham atos normativos sancionadores.

Quando se fala em direito punitivo, em sua macro concepção, estar-se-á dizer, noutras palavras, em assegurar o justo processo legal, tanto para àquele que “quer uma resposta”, muitas das vezes a comunidade, quanto para quem lhe é cobrado. Se por um lado pode muito, por outro – insofismável – não se pode tudo.

A Constituição Federal é o limite. Ela, em um vasto campo de direitos e garantias fundamentais, assegura quando se busca impor uma sanção, ou seja, quando se transita no campo de um direito sancionatório (de qualquer natureza), o dever inafastável de ser todos os atos e procedimentos chancelados por todos os princípios e garantias firmados por nossa Lei Maior.

No regime democrático de direito que vivemos – ainda que nademos contra “marés” – é fundamental que todos que de forma direta ou indireta estejam na iminência de sofrer qualquer efeito de um procedimento punitivo, tenha assegurado para si um plexo de direitos e normas fundamentais e jamais relativizadas.

É que na prática muito se vê uma eventual espetacularização acerca dos procedimentos internos investigativos e quando, não muito, passam de forma assolapada por cima de princípios comezinhos do binômino justo-processo como, por exemplo, inobservam as garantias da ampla defesa, da igualdade, do contraditório efetivo, da motivação das decisões judiciais, e por aí vai. 

Ora, nunca é demais lembrar que qualquer dos investigados (em qualquer natureza de órgão e/ou procedimento) gozam do direito de se defenderem no interior de um processo disciplinar ou de sindicância, que irá comprovar ou não a materialidade, a intenção ou não de cometer aquele ato infracional e ainda se a punição guardará proporcionalidade com os atos cometidos. É esse processo, com uma defesa técnica de um advogado para que se permita montar uma estratégia adequada, que dará acesso às garantias fundamentais do Estado Democrático de Direito da investigação justa, imparcial e sem qualquer tipo de perseguição.

Afinal, não poderá de maneira alguma o “Estado” não proteger – garantir instrumentos – ao mais frágil em face do mais forte, não poderá o “Estado” atirar a flecha e depois pintar o alvo, aliás, isto pode ser qualquer coisa, menos direito.

E, fecho, parafraseando SHAKERPEARE, que a boa fama, para o homem, senhor, como para a mulher, é joia de maior valor que possui. Quem furta minha bolsa me desfalca de um pouco de dinheiro. É alguma coisa e é nada. Assim, como era meu, passa a ser de outro, após ter mil outros. Mas o que me subtrai o meu bom nome defrauda-me de um bem que a ele não enriquece e a mim me torna totalmente pobre. Lutemos, pois, contra sereias e marés.

*Matheus Costa é advogado atuante em Direito Sancionador e Público, ex-Juiz do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB