Agenor Cançado*
Culturalmente, os brasileiros tendem a investir em imóveis. Uma pesquisa da Anbima (Associação Brasileira dos Mercados Financeiros e de Capitais), denominada Raio X do Investidor Brasileiro, aponta que, em média, 35% dos brasileiros mantêm a aquisição de imóveis como principal objetivo de investimento.
No mundo jurídico, sabemos que os ativos imobiliários estão, via de regra, envolvidos em processos judiciais, seja porque seu domínio, posse, alienação fiduciária ou penhora estão sendo discutidos no âmbito de ações de diversas naturezas. Diante de tantas controvérsias jurídicas que podem envolver um imóvel, é certo que o terceiro adquirente deve se cercar de inúmeras cautelas antes de realizar este tipo de investimento. Não há aquisição imobiliária 100% livre de riscos, sejam eles jurídicos, estruturais, ambientais ou principalmente fiscais. Por isso, o investidor deve estar sempre atento.
No que tange aos riscos jurídicos, o legislador e a jurisprudência têm privilegiado o terceiro comprador de boa-fé. A Súmula nº 375 do STJ estabelece:
“O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.”
Além disso, a Lei 14.825/2024, visando garantir a eficácia dos negócios jurídicos imobiliários, adicionou o inciso V ao art. 54 da Lei 13.097/2015, com a seguinte redação:
Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações:
V – averbação, mediante decisão judicial, de qualquer tipo de constrição judicial incidente sobre o imóvel ou sobre o patrimônio do titular do imóvel, inclusive a proveniente de ação de improbidade administrativa ou oriunda de hipoteca judiciária.
Ademais, o §2º do art. 54 da mesma Lei 13.097/2015, incluído pela Lei 14.382/2022, dispensa determinadas certidões, conforme transcrição abaixo:
“Para a validade ou eficácia dos negócios jurídicos a que se refere o caput deste artigo ou para a caracterização da boa-fé do terceiro adquirente de imóvel ou beneficiário de direito real, não serão exigidas:
I – a obtenção prévia de quaisquer documentos ou certidões além daqueles requeridos nos termos do §2º do art. 1º da Lei nº 7.433, de 18 de dezembro de 1985; e
II – a apresentação de certidões forenses ou de distribuidores judiciais.”
Embora o arcabouço normativo e jurisprudencial tenha uma tendência evidente de proteção ao terceiro comprador de boa-fé, a prática demonstra um cenário diferente. Por isso, é altamente recomendável que o adquirente do imóvel atue com diligência, obtendo não apenas a matrícula imobiliária e certidão de ônus atualizadas, mas também todas as certidões forenses e dos distribuidores judiciais para mitigar riscos na aquisição imobiliária.
Além disso, é essencial que o terceiro adquirente se resguarde contra riscos fiscais, obtendo todas as certidões fiscais municipais, federais e estaduais dos vendedores. Isso porque o artigo 185 do Código Tributário Nacional relativiza por completo a boa-fé do terceiro adquirente:
“Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.”
O STJ, ao julgar o Tema 290, consolidou o entendimento de que, no caso de execução fiscal, a Súmula 375 é inaplicável. A presunção de fraude é absoluta quando a alienação ocorre após a inscrição em dívida ativa, salvo se realizada antes de 08.06.2005, data de vigência da LC 118/2005.
Outro ponto de atenção é a aquisição de imóveis de alienantes que possuam certidão fiscal positiva com efeito de negativa, o que indica parcelamento tributário em curso. Nessa situação, é necessário analisar o passivo tributário, pois eventual inadimplência pode levar à decretação de fraude à execução fiscal.
Por fim, é importante salientar que as disposições da Lei 13.097/2015 são altamente relativas e não garantem proteção integral ao terceiro adquirente. Na prática, é comum encontrar escrituras de compra e venda dispensando certidões fiscais e forenses, o que revela tanto o despreparo de alguns profissionais quanto o desconhecimento dos compradores sobre os riscos envolvidos.
Dessa forma, reafirma-se a necessidade de diligência e cautela em todas as operações imobiliárias para evitar prejuízos decorrentes de fraudes à execução e outras adversidades legais.
*Agenor Cançado é advogado, especialista em Direito Tributário e Imobiliário.