Excessos na decretação da prisão preventiva em crimes tutelados pela Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha)

Antônio Celedonio Neto

A missiva do presente artigo talvez não seja tão afável aos olhos desnudos, todavia, ao observa-lo pelos óculos do devido processo legal seja mais fácil a compreensão.

Não se busca aqui de qualquer modo, diminuir a importância da referida Lei 11.340/06 ou ainda desqualificar o avanço jurídico no que diz respeito às garantias alcançadas após a promulgação da lei em comento.

É que tenho ouvido de voz viva, dos ultrajados pelo sistema desenfreado de segregação cautelar antecipada, de que mesmo não descumprindo as medidas protetivas impostas, lhes são decretadas suas prisões preventivas de forma indiscriminada.

No mesmo sentido, o artigo trata apenas da Prisão Preventiva requerida de forma indevida e sem fundamentos jurídicos durante o Inquérito Policial e não da Prisão em Flagrante que após audiência de custódia fora convertida em Preventiva.

Dessa forma se observa a necessidade de discutir quanto aos excessos que acabam por acontecer em decorrência do mau uso da lei e suas particularidades, não sendo necessário possuir um invejável estofo intelectual para se observar a ilegalidade em tais prisões cautelares.

O que por sua vez chama a atenção, tem sido o fato de que por vezes, mesmo sendo aplicadas as Medidas Protetivas de Urgência e estas sendo cumpridas conforme determinado pelo Magistrado, os Delegados e no caso específico da Capital Goiana, as Delegadas lotadas na DEAM – Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher, mesmo não havendo notícia de violação das referidas Medidas Protetivas, tem requerido a Prisão Preventiva dos supostos algozes.

De fato, o texto da referida Lei 11.340/06, em seu artigo 20, diz, “em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor…”, entretanto é necessário que tal decretação seja calcada de fundamentação verossímil, o que por vezes não é o que se observa, tanto que as prisões evidentemente irregulares, são revogadas pelo Egrégio Tribunal de Justiça.

Vinca calhar, que o inciso III, artigo 313 do Código de Processo Penal traz em seu bojo quando será possível a prisão preventiva em casos onde envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, sendo claro o texto:

Art. 313.  Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:

III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;

Assim resta cristalino, que a prisão preventiva em casos onde já existem contra o algoz Medidas Protetivas, a Prisão Preventiva somente poderá ser decretada para garantir a aplicação das Medidas Protetivas, do contrário, resta configurado um constrangimento ilegal que deve ser sanado pelo Tribunal de Justiça.

Nos casos em que existem Medidas Protetivas sendo devidamente cumpridas e mesmo assim lhe é decretada a Prisão Preventiva, resta cristalino o BIS IN IDEM, posto que, o sujeito passivo da persecução penal encontra-se suportando dupla punição.

Em um caso recente, após a vítima apresentar a notícia crime junto à Delegacia Especializada no Atendimento a Mulher, foram deferidas pelo Juizado Especial de Violência Doméstica a aplicação das Medidas Protetivas e mesmo cumprindo tais Medidas religiosamente, teve sua prisão preventiva decretada, contudo, tal arbitrariedade fora sanada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, após apreciação de um Habeas Corpus, restaurando lhe a liberdade.

Não se pode vestir a máscara da hipocrisia e aceitar passivamente que aconteça com nosso vizinho, pois citando Antônio Carlos de Almeida Castro (KAKAY)[1].

Porém, a vida dá, nega e tira. E pode ser que um dia, nas curvas que ela faz, a desgraça de uma injustiça bata à porta daquele que desprezou os mais elementares princípios de direito, e o próprio, ou alguém da sua família, se veja às voltas com uma arbitrariedade”.

Aí o cidadão veste a máscara do devido processo legal, do direito à ampla defesa, do contraditório. Clama-se a partir daí por justiça e para que sejam cumpridos os preceitos constitucionais.”

Por tais razões é que imperioso que ao decidir sobre tais pedidos de prisão, o juízo análise o fummus comissi delicti que busca a averiguação de indícios da prática do crime, e o periculum libertatis[2] que avalia o risco que a liberdade do indivíduo pode trazer ao processo, sendo necessário que ambos estejam presentem para que haja decretação da Prisão Preventiva.

Não é crível, que o indivíduo cumprindo de forma escorreita as Medidas Protetivas seja ainda sem qualquer fato novo tenha sua Prisão Preventiva decretada apenas para garantir boas estatísticas a serem apresentadas à sociedade.

Apenas para arrematar o assunto, resta dizer que a banalização da prisão preventiva nos casos em que envolve a lei 11.340/06, vem retirando a característica do processo penal, que é o controle do poder do Estado em punir o jurisdicionado, trazendo uma falsa sensação de justiça aos demais indivíduos da sociedade.

*Antônio Celedonio Neto é advogado 

[1] https://www.meionorte.com/noticias/a-vida-da-nega-e-tira-artigo-escrito-pelo-advogado-antonio-c-de-almeida-castro-kakay-148045

[2] LOPES JR., Aury. Sistema de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.