Ensino jurídico que temos não é a educação jurídica que queremos

Marisvaldo Cortez Amado

O Brasil possui hoje aproximadamente 1.259 cursos de graduação em Direito[1] em funcionamento, com a possibilidade de preenchimento de 200 mil vagas por ano. Esse número crescente de cursos em Direito demonstra a fragilidade do sistema de regulação do ensino superior. O que pode ser notado pelas palavras da secretária executiva do Ministério da Educação (MEC), Maria Helena Guimarães de Castro, a 2ª pessoa na linha de comando do Ministério da Educação, que afirmou “o sistema de avaliação do ensino superior do Brasil é falho.”[2]

Isso é nítido ao percebermos que temos cursos de Direito com uma precariedade imensa, com bacharéis que não conseguem passar no Exame de Ordem da OAB, o qual cobra minimamente 50% de acertos em uma prova de oitenta questões na primeira fase e 60% de conhecimento na segunda fase para alcançar a tão sonhada carteira de advogado[3].

A frustração do sonho de vários examinandos é também a minha frustração ao ver o Ensino Jurídico brasileiro ruindo, uma vez que os alunos buscam essencialmente a qualidade do Ensino preconizada nos princípios constitucionais, entretanto, o MEC fecha os olhos para essa garantia legal e permite a criação de cursos como o Tecnólogo em Serviços Jurídicos, um curso, que, a meu ver, além de impossibilitar o exercício profissional, entra em rota de colisão direta com os profissionais e bacharéis do mercado que atuam em diversas áreas jurídicas.

A autorização desse curso demonstra o descaso que o MEC tem com os futuros profissionais. Esse descaso fica estampado no quantitativo de cursos permitidos a cada ano sem a devida verificação da qualidade e necessidade social, cursos autorizados simplesmente no papel com uma análise falha, como expôs a própria Secretária do MEC, no seminário internacional “Avaliação da Educação Superior: características e perspectivas”, realizado em Brasília.

Precisamos mudar esse cenário e pensar realmente no futuro dos nossos jovens e do Brasil. O conhecimento é fundamental para o desenvolvimento do país, bem como, a sua precarização também será a ruina da nação. Não podemos ter “números de primeiro mundo com uma qualidade de terceiro mundo”. Não precisamos ter apenas quantidade, precisamos ter qualidade e isso não é verificado.

As falhas na avaliação do Ensino Superior demonstram diariamente para onde caminhamos. Temos hoje uma educação jurídica de impacto, gerada em favor de grandes números. Contudo, não temos nesse panorama a visão futurista de uma provável mudança na oferta dos cursos existentes, além de um estudo pormenorizado por parte do órgão Ministerial sobre a forma de avaliação dessas Instituições de Ensino Superior.

Os conselhos profissionais estão se reunindo, periodicamente, para discutir esse tema, cada um com a sua visão, peculiaridade e preocupação. Nesse sentido, precisamos pensar na educação superior como um todo, onde há a importância e valorização do profissional da medicina, da enfermagem, do educador físico, do farmacêutico, dos engenheiros, dos advogados, dos contadores, dos bacharéis em Direito e de diversos outros profissionais.

Não precisamos ser reconhecidos como a República dos Bacharéis, e sim como a república do desenvolvimento e do conhecimento, para isso, a Comissão Nacional de Educação Jurídica, vem trabalhando fortemente, não contra tudo e todos, mas contra o uso indevido do Ensino Superior como moeda de troca política.

Diante desse cenário, penso que a regulação da Educação Superior brasileira precisa ser avaliada e reformulada de forma a permitir que realmente haja uma separação entre o joio e o trigo, ou seja, entre as instituições que são precárias e as que possuem qualidade.

Existe, também, hoje no Brasil um cenário totalmente incerto na avaliação da educação à distância, uma vez que o órgão Ministerial determina apenas a análise/fiscalização de um único polo das Instituições que ofertam o Ensino à distância, permitindo que as IES possam ter até 250 polos[4], sem nenhum tipo de avaliação. Será que isso é qualidade e é o que desejamos? Onde fica a garantia de qualidade contida na Constituição Federal? Será que o MEC antes de criar as normas ou decidir pensou nos alunos brasileiros e nos futuros profissionais?

O atual cenário da educação nacional vem sofrendo mudanças constantes que em nada tem favorecido a população brasileira. O Ministério da Educação tem trilhado um caminho na contramão da qualidade do ensino superior. Diante disso, o que fica é a incerteza da educação jurídica e em razão disso, e de tantas outras coisas, precisamos erguer os nossos olhos e lutar contra a proliferação dos cursos jurídicos e demais cursos sem a avaliação da qualidade.

*Marisvaldo Cortez Amado é conselheiro federal da OAB-GO e presidente da Comissão Nacional de Educação Jurídica

[1] Disponível em: http://emec.mec.gov.br/
[2] Disponível em: https://educacao.uol.com.br/noticias/2017/10/30/secretaria-do-mec-diz-que-avaliacao-do-ensino-superior-no-brasil-e-falha.amp.htm
[3] Disponível em: http://www.oab.org.br/arquivos/exame-de-ordem-em-numeros-III.pdf
[4] Portaria do MEC n. 11 de 20 de junho de 2017