Empregados domésticos em tempos de coronavírus

*Samarah Gonçalves da Cruz

Durante os últimos dias, foram publicadas uma série de Medidas Provisórias, com fins de flexibilizar regras trabalhistas. Ainda para os críticos, o grande objetivo das alterações trazidas pelo governo foi garantir harmonização fática a empregados e empregadores que, diante da pandemia, estão passando por momento árduo, seja pela dispensa em massa, seja pela redução dos lucros e/ou impossibilidade de manutenção da atividade empresarial.

Em que pese o seio empresarial ser local em destaque, tem-se que olhar, ainda, para o seio familiar, com enfoque nos empregados domésticos; afinal há, no Brasil, registros de 6 milhões de trabalhadores domésticos, os quais também devem ser analisados sob a problemática de enfrentamento da crise ocasionada pela Covid-19.

Antes de mais nada, é preciso esclarecer que empregado doméstico é aquele que “presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de dois dias por semana” (artigo 1º da Lei Complementar 150/15). Assim, exclui-se desse conceito qualquer trabalhador que não preencha algum desses requisitos.

Passando a análise das medidas aplicáveis à relação empregatícia em âmbito doméstico, tem-se em resumo: (i) férias individuais; (ii) banco de horas; (iii) antecipação dos feriados; (iv) redução salarial e da jornada de trabalho; e (v) suspensão do contrato de trabalho.

De acordo com a Medida Provisória 927/20, o empregador poderá antecipar as férias, ainda que o empregado não tenha completado o período aquisitivo de 12 meses, por meio de acordo individual, com comunicação prévia de, no mínimo 48 horas e, ainda, indicação do período que será gozado – não inferior a cinco dias corridos.

O pagamento das referidas férias poderá ser efetuado até o quinto dia útil do mês subsequente ao início do gozo respectivo, já o adicional de 1/3 de férias poderá ser adimplido posteriormente, até a data limite de 20 de dezembro de 2020. Ressalta-se que caso o empregado tenha interesse no abono pecuniário, este ficará sujeito a anuência do empregador.

Ainda como alternativa estampada no bojo da MP 927/20, tem-se o banco de horas como possibilidade de instituição entre as partes, por meio de acordo coletivo ou individual, sendo que a compensação de horas deverá ocorrer no prazo de até dezoito meses, a contar do término do estado de calamidade pública.

E, também, a possibilidade de antecipação dos feriados não religiosos – federais, estaduais, distritais e/ou municipais – a qual deverá ser comunicada ao empregado, por escrito ou por meio eletrônico, no prazo de 48 horas, indicando de forma expressa quais são os feriados que serão antecipados. Caso o feriado seja religioso, este só poderá ser antecipado mediante manifestação de concordância do empregado por acordo individual escrito.

Já em sede da Medida Provisória n° 936/20, utilizando-se como referência empregado doméstico que receba até três salários mínimos, estampou-se a possibilidade de o empregador reduzir, proporcionalmente, a jornada de trabalho e salário do empregado doméstico, pelo prazo máximo de 90 dias, por acordo individual, que deverá ser encaminhado ao empregado com antecedência mínima de dois dias corridos.

Para tanto, dever-se-á respeitar o salário-hora do trabalhador, que não poderá ser reduzido e utilizar os percentuais de redução de 25%, 50% e 70%, na seguinte proporção:

Redução de 25% da Jornada de Trabalho

Trabalhador recebe:

75% do salário + 25% da parcela do BEm

Redução de 50% da Jornada de Trabalho

Trabalhador recebe:

50% do salário + 50% da parcela do BEm

Redução de 70% da Jornada de Trabalho

Trabalhador recebe:

30% do salário + 70% da parcela do BEm

Nota-se que, uma vez reduzida a jornada e salário, o empregado doméstico não ficará desamparado, na medida em que fará jus ao recebimento do Benefício Emergencial de Emprego e Renda (BEm), o qual terá como base de cálculo o valor mensal do seguro-desemprego em que o funcionário teria direito.

Quanto à suspensão do contrato de trabalho, esta poderá ser pactuada pelas partes, pelo prazo máximo de 60 dias, por acordo individual, podendo ser fracionado em dois períodos de trinta dias, que deverá ser encaminhado ao empregado com antecedência mínima de dois dias corridos.

Durante o período de suspensão contratual o empregador deverá manter os benefícios pagos aos empregados, com exceção do vale transporte (regido por lei especial) e o empregado não poderá permanecer trabalhando para o empregador. Salienta-se que o empregado terá estabilidade provisória garantida durante o período de suspensão e após o reestabelecimento da jornada por período equivalente ao da suspensão.

Ressalta-se que para utilização das duas alternativas estampadas na MP 926/20, o empregador deverá comunicar o Ministério da Economia, por meio do login único GOV.BR[1], no prazo de 10 dias, sob pena de tornar-se responsável pelo pagamento da remuneração integral do empregado.

Ademais, o empregador deverá enviar ao Sindicato representante da categoria – e, na sua ausência, a Federação e/ou a Confederação – o acordo firmado entre as partes, também no prazo de 10d (dez dias). Sendo que, permanecendo silente, o acordo terá validade integral, mas, caso se manifeste, a Entidade Sindical poderá adentrar a negociação.

Ante a série de medidas apresentadas, é imperioso ressaltar que empregado e empregador deverão optar pela medida menos onerosa às partes, a fim de que a relação empregatícia seja mantida durante e após a pandemia. Afinal, depois de todo o caos, vem a bonança!

*Samarah Gonçalves da Cruz é advogada associada ao escritório Bessa & Nogueira Reis Advogados. Especialista em Direito do Trabalho. Pós-graduanda em Direito e Processo Civil. Diretora da Comissão de Estudos da Advocacia Obreira da AGATRA.

[1] http://faq-login-unico.servicos.gov.br/en/latest/