Educação domiciliar como dever da família

*Fabíola Vilasboas

Em janeiro, noticiou-se a pretensão do Governo Federal em editar uma medida provisória que regulamente a educação domiciliar das crianças brasileiras em idade escolar – prática conhecida como homeschooling. Tal propósito está ligado ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, anteriormente denominado Ministério dos Direitos Humanos, atualmente gerido pela Ministra Damares Alves, defensora deste método educativo.

Entre os anos de 1994 a 2017, a educação domiciliar foi objeto de oito Projetos de Lei e uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional). No entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), o homeschooling não pode atualmente ser exercido em razão de não existir legislação que regulamente os preceitos e as regras aplicáveis a esse método. Portanto, será necessário o implemento de uma lei na qual sejam previstos os meios de avaliação e fiscalização dessa modalidade de ensino.

Em nosso ordenamento jurídico, os dois principais documentos que versam sobre a educação, a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/98), não fazem qualquer menção à educação domiciliar. Defensores do método questionam e argumentam que essa omissão seria suficiente para, de forma preliminar, declarar a validade da ED, tendo em vista que nossa Constituição prevê que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (Princípio da Legalidade – Art. 5º, II).

O Estado e a família são encarregados de providenciar a educação. Todavia, consoante a dicção do art. XXVI, 3, da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “os pais têm prioridade na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos”.

Outro não é o posicionamento do nosso Código Civil, quando dispõe que “compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: dirigir-lhes a criação e a educação” (Art. 1.634).

Analisando o tema com base nos aspectos constitucionais, verifica-se em um primeiro momento que a Constituição, ao impor ao Estado o dever de prover a educação (art. 208, I), não obriga de forma alguma à escolarização, mas sim à educação. Esta não é sinônimo daquela. Ademais, segundo o comando inserto no art. 229, da Carta Magna, ”os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores”. Ora, então a educação domiciliar já não é exigida dos pais?

De outro lado, analisando os aspectos infraconstitucionais, temos a Lei nº 9.394/98 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) que dispõe tão somente sobre a educação ministrada nas escolas e não versa sobre a educação em geral. Por esse motivo, tal dispositivo não seria aplicável à questão da educação domiciliar.

Sobre tal aspecto, mister se faz esclarecer que, ainda que fosse considerada uma lei aplicável a qualquer espécie de educação, não há em seu texto menção à exigência de escolarização anterior do aluno de educação básica, consentindo expressamente que o aluno ingresse em algum dos níveis de educação básica sem ter frequentado uma escola anteriormente (Art. 24, II, c, LDB).

A fim de evitar maiores delongas, deixarei para um segundo momento a análise do tema com base no ECA (Art. 55) e no Código Penal (Art. 246 – Abandono Material).

Perante o exposto, é de se concluir que, constitucionalmente, a educação domiciliar é um dever da família e um direito individual dos pais, cabendo a eles dispor ou utilizar ou não tal direito.

*Fabíola Vilasboas é advogada no escritório Ailtamar Carlos da Silva Advogados Associados; pós-graduanda em Direito Civil e Processo Civil.