Do analfabetismo funcional, passando pela Síndrome de Estocolmo até o caos consentido

*Marcelo Bareato

É interessante observar o quanto ficamos empenhados quando alguém nos dá uma dica de como podemos melhorar nossa condição financeira, chamar a atenção de pessoas publicando ou replicando notícias as quais, nas mais das vezes sequer verificamos a procedência, mas seja lá como for, sempre com aquela máxima que aprendemos desde bem cedo, que diz “aqui, é cada um por si e Deus pra todos”.

Pois bem, meu Caro Leitor, é exatamente desse ponto que começamos nosso artigo, explicando o primeiro conceito que está disposto em nosso título, “analfabetismo funcional”. Chamamos de analfabeto funcional aquele demostra incapacidade ao não compreender textos simples, o que no Brasil perfaz 68% da população, e se somados aos 7% de analfabetos totais, perfazem 75% de população sem domínio pleno de coisas básicas, como a leitura, a escrita, operações matemáticas etc.

No olho do furacão estão os adeptos a síndrome de Estocolmo, que tem suas origens no “famoso assalto de Norrmalmstorg, Estocolmo que durou de 23 a 28 de agosto de 1973. Nesse acontecimento, as vítimas continuavam a defender seus raptores mesmo depois de seis dias de prisão física terem terminado e mostraram um comportamento reticente nos processos judiciais que se seguiam. A princípio, as vítimas passam a se identificar emocionalmente por meio de retaliação e/ou violência. Pequenos gestos gentis por parte dos raptores são frequentemente ampliados porque o refém não consegue ter uma visão clara da realidade e do perigo em tais circunstâncias. Por esse motivo, as tentativas de liberdade são tidas como ameaça. É importante notar que os sintomas são consequência de um stressf´físico e emocional extremo. O complexo e dúbio comportamento de afetividade e ódio simultâneo junto aos raptores é considerado uma estratégia de sobrevivência por parte das vítimas (texto extraído do site WIKIPÉDIA – pt.m.wikipedia.org).

Com as duas explicações preliminares, vamos aos fatos que nos levam a este artigo. Nessa semana, mais precisamente na última terça-feira 08/10/2019, roteadores, 210 telefones celulares, centenas de chips e carregadores foram encontrados no complexo prisional Odenir Guimarães, aqui em Aparecida de Goiânia. Uma operação “primorosa”, que mobilizou a Promotoria Pública, 400 Agentes das Forças de Segurança do Estado, o Diretor do Diretoria Geral de Administração Penitenciária, o Secretário de Segurança Pública, numa “façanha/operação” que durou mais de 10 horas,  com helicópteros e um gasto fabuloso para o contribuinte que terminou com o Secretário de Segurança Pública falando que eles ainda vão “investigar” se existe a participação de agentes públicos. Esse fato foi noticiado em cadeia nacional, por todas as emissoras de televisão, numa expectativa de que Goiás possa ser o exemplo de Sistema Prisional.

Claro que sem atacar outras frentes que mostram claramente a ineficiente do Estado como no caso de Planaltina, onde o presídio de segurança máxima em 15 dias foi depredado porque os presos não tinham comida, água, quite básico de higiene, provocando revolta até mesmo nos agentes penitenciários como pode ser visto em diversas reportagens, ou em Pires do Rio, onde por falta de alimentação os presos estão comendo gatos, ratos e cachorros que aparecem no sistema, vamos focar no que interessa.

Diz o artigo 319-A do Código Penal: Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo: (Incluído pela Lei nº 11.466, de 2007). Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

Bem!

Na perspectiva a que nos propomos no início deste artigo, em tratar dos conceitos já desenvolvidos, no analfabetismo funcional a população vê a notícia mas não interpreta porque não conhece a lei e julga desnecessário, afinal tem quem tenha a obrigação de cuidar da tal “segurança pública”. Na síndrome de Estocolmo, meu agressor passa a ser meu amigo porque vivo num cenário de stress constante buscando pagar minhas contas através de um trabalho que me toma 8 horas diárias e tira o foco de assuntos como esse, que supostamente não me diz respeito.

Então, meu Caro Leitor, vamos tentar ajudar a desvendar o mistério!

Se foram gastos milhares de reais para custear a tal operação cinematográfica desprendida pela Secretaria de Segurança Pública de Goiás, quem é que vai pagar a conta? Quantos diretores ou agentes públicos encarregados de fiscalizar a entrada e saída de pessoas e objetos do sistema foram presos, afinal celulares não tem asas e se lá estavam, por alguém que tinha a obrigação de fazer o contrário, passou? Qual o sentido de uma operação que “mata a vaca e não combate os carrapatos”, sendo que o rebanho permanecerá no mesmo lugar?

Talvez todas as respostas passem pelo fato de que, se eu der uma informação qualquer a população desavisada, sem contar que o aparelho celular é comercializado no sistema carcerário por até 20 mil reais cada um, o chip por até 4 mil reais cada um e que as apreensões são lucrativas pois a cada 15 dias os aparelhos apreendidos numa ala são renegociados nas outras alas e que isso também acontece com a droga, com a comida que chega podre para que o preso seja obrigado a comprar em cantinas dispostas dentro de cada ala e que pagam aluguel aos Diretores do estabelecimento prisional (cantinas exploradas por presos que gastam por mês de aluguel 12 mil e quinhentos reais), o contribuinte, esse mesmo que passa pelo analfabetismo funcional e a síndrome de Estocolmo vai começar a entender o que significa “O CAOS CONSENTIDO” e obrigará as autoridades competentes cumprirem o seu dever, parar de  gastar o que não lhes pertence e pensar duas vezes antes de fazerem autopromoção nas mídias sociais,sob pena de “colocarmos em vigor, até mesmo antes de janeiro do próximo ano, a nova Lei de Abuso de Autoridades”.

*Marcelo Bareato é doutorando em Direito Público, membro da Comissão Especial de Segurança Pública da OAB Nacional, conselheiro nacional da ABRACRIM – Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas, presidente do Conselho de Comunidade na Execução Penal de Goiânia/GO e presidente da Comissão Especial de Direito Penitenciário e Sistema Prisional da OAB/GO.