Direito Penal Econômico: entre a ciberinocência e a seletividade da rosa sem cheiro

Kowalsky do Carmo Costa Ribeiro*

A evolução do Direito Penal Econômico brasileiro, especialmente no que se refere aos delitos informáticos e à circulação de ativos digitais, se desenha como um espelho quebrado: cada fragmento reflete uma preocupação legítima, mas o todo permanece distorcido por um punitivismo ora desinformado, ora seletivo, ora convenientemente pragmático.

Tem sido cada vez mais comum encontrar interpretações que tentam encaixar a simples compra ou armazenamento de criptomoedas — como o famigerado Bitcoin — no tipo penal da evasão de divisas (art. 22 da Lei nº 7.492/86), como se se tratasse de um bilhete de ida sem volta ao cárcere. Com o devido respeito às escolas expansionistas do Direito Penal, há um limite entre criatividade dogmática e voluntarismo persecutório. Não podemos tratar ferramentas tecnológicas como se fossem armas carregadas por presunção.

Deixo claro: não incentivo a utilização de criptomoedas como forma de proteger patrimônio de regulação estatal, tampouco sou entusiasta de aventuras financeiras transfronteiriças. Sou defensor intransigente da liberdade econômica, mas em regime de responsabilidade. E mais: sou, sim, a favor de um Estado forte no controle da evasão de divisas, porque acredito no papel da máquina pública como promotora de justiça distributiva e equilíbrio social. O capital não pode ser mais ágil que a justiça.

O problema reside justamente na forma — ou na fórmula — com que a repressão penal é aplicada. Há, hoje, um Direito Penal Econômico para os ricos, com fórmulas sofisticadas de cooperação internacional, perícias complexas e delações premiadas em salas refrigeradas. E há um Direito Penal comum, destinado aos pobres, onde vale a máxima medieval: primeiro punimos, depois averiguamos. Isso, aliás, explica muito da seletividade silenciosa de certas operações midiáticas.

É preciso romper com essa lógica assimétrica. Não quero saber o nome da rosa — quero conhecer o seu cheiro. De que vale um ordenamento jurídico que proclama princípios universais se o perfume da justiça só exala para quem pode pagar pelo frasco?

No campo das criptomoedas, é urgente distinguir entre liberdade e permissividade. A tecnologia é neutra; o uso é que determina sua função social ou antissocial. O Bitcoin, por exemplo, pode até ser o ídolo de alguns libertários de paletó e camiseta preta, mas não passa de um ativo volátil, sem lastro institucional, cuja utilidade prática ainda reside, em grande parte, na obscuridade transacional. Não se pode construir uma ordem econômica sólida sobre algoritmos não auditáveis e carteiras anônimas.

O que se propõe, aqui, não é leniência, mas racionalidade penal. O Direito Penal Econômico deve servir à proteção de bens jurídicos relevantes — e não como instrumento de fúria fiscal camuflada. Reprimir sim, mas com técnica, com tipicidade estrita, com garantias constitucionais inegociáveis.

Porque, no fim das contas, não se trata de ser contra ou a favor do Bitcoin. Trata-se de decidir se queremos um Estado que confia na liberdade responsável de seus cidadãos, ou um Leviatã digital armado com códigos penais do século passado. E eu, com toda minha toga garantista e consciência de classe, fico com o Estado Social que cobra com justiça e protege com firmeza.

*Kowalsky do Carmo Costa Ribeiro é advogado, conselheiro seccional da OAB-GO. É especialista em Direito Legislativo, Direito Penal Econômico e Mestrando em Direito à Cidade (PUC/GO).